Melhorar a educação do doente: conheça 4 teorias de aprendizagem do adulto que podem fazer a diferença
29 de julho de 2023, PATRÍCIA RODRIGUES
Neste artigo ficará a conhecer algumas teorias de aprendizagem do adulto e a saber como aplicá-las na educação do doente, familiar ou cuidador.

Numa conversa entre farmacêuticos, durante as últimas Jornadas de Farmácia Comunitária, uma colega perguntou de forma retórica: “Mas como é que eu educo os meus utentes?”
Existem muitas formas de responder a esta pergunta. Tendo dedicado vários artigos deste blog às boas práticas de literacia em saúde, que era o tema da nossa conversa, hoje vou seguir por um caminho diferente.
Neste texto abordo algumas teorias de aprendizagem do adulto: descrevo quatro teorias, de forma simplificada, dando ênfase à sua aplicação, em particular na educação do doente, familiar ou cuidador. As ideias descritas podem ser aplicadas tanto na interação entre o profissional de saúde e o utente, como na redação de informação de saúde. São uma pequena amostra dos trabalhos que existem sobre a matéria. Se gostar do tema, terá muito por onde explorar.
Para que servem as teorias?
Falar em modelos teóricos pode parecer complexo, abstrato e assustador. Além disso, aplicá-los no nosso dia a dia nem sempre é fácil: no papel parecem ser exequíveis, mas na interação com o indivíduo encontramos dificuldades. Perante estes obstáculos, pode perguntar-se “Vale a pena conhecer os modelos teóricos”?
As teorias são generalizações e abstrações. E ainda bem! Essas características permitem, por um lado, simplificar a realidade para conseguirmos analisar melhor certos aspetos; por outro, compreender e melhorar a nossa prática. Conforme disse o psicólogo Kurt Lewin, “não há nada mais prático do que uma boa teoria”.
Ao longo dos anos foram propostos vários modelos que descrevem a aprendizagem dos adultos. Assemelham-se no princípio de que os adultos aprendem de forma diferente das crianças; diferem na explicação de como essa aprendizagem ocorre, o que a motiva e como deve ser estruturada.
Não existe uma teoria que se ajuste a todas as situações e pessoas; cada uma das conceptualizações oferece um prisma único sobre a aprendizagem do adulto. Pez embora esta multitude de perspetivas aumente a complexidade da análise, também nos dá mais ferramentas para nos ajustarmos a diferentes situações, pessoas e objetivos.
Então, para que servem as teorias? Servem para ficar a conhecer o processo de aprendizagem dos adultos e, dessa forma, melhorar a educação do utente, obter melhores resultados e ser mais capaz de responder a diferentes pessoas e situações.
Andragogia
Segundo a Andragogia, uma teoria proposta por Malcolm Knowles, os adultos valorizam a autonomia e preferem aprender sobre o que tem aplicação na sua vida ou dá resposta a uma necessidade pessoal. De acordo com este modelo:
- O adulto usa a experiência passada para analisar, assimilar e aplicar o novo conhecimento, sendo que essa experiência de vida, incluindo os erros, atua como um recurso de aprendizagem.
- No adulto, a motivação para aprender é interna. Exemplos de motivadores internos que podem estimular a aprendizagem são o crescimento pessoal, a qualidade de vida, a autoestima ou a autonomia.
- O adulto aprende sobre temas com relevância na sua vida. Por isso, precisa saber a razão para aprender um determinado conteúdo ou competência. Que ganhos serão adquiridos? Que benefícios existem?
- A aprendizagem do adulto é centrada na resolução de problemas, e não na teoria. Por isso, o adulto procura informação que tenha aplicação imediata e que ajude a resolver problemas específicos.
- O adulto quer participar no planeamento e avaliação da sua aprendizagem, pois valoriza ser independente e estar no controlo.
Para aplicar esta teoria na educação do doente considere:
- Explicar a relevância do assunto, usando exemplos práticos e alinhados com a vida da pessoa;
- Definir, em conjunto com a pessoa, objetivos e estratégias com base nas suas necessidades e interesses;
- Solicitar o conhecimento e experiências passadas da pessoa;
- Dar resposta aos problemas que a pessoa tem ou irá encontrar.
Os críticos desta teoria alegam que tem aplicação limitada quando a pessoa está pouco motivada e que pode não ser exequível em determinadas contextos, nomeadamente culturais.
Teoria da Aprendizagem Transformativa
Esta teoria foi proposta por Jack Mezirow e postula que a aprendizagem muda a forma como o indivíduo vê o mundo e a si.
De acordo com Mezirow, a aprendizagem acontece quando o adulto encontra informação que abala as suas ideias, reflete sobre isso e muda de opinião. Desta forma, para Mezirow, a aprendizagem do adulto é transformativa, enquanto a aprendizagem da criança é formativa. Nesta teoria de aprendizagem, o indivíduo:
- Recebe uma informação que desafia as suas ideias ou ações, ficando perante um dilema.
- Reflete, discute e pensa de forma crítica sobre a nova informação.
- Reinterpreta a sua experiência, muda de perspetiva e adota uma nova postura perante a vida.
Aplicar esta teoria para melhorar a educação do doente significa:
- Dar informação que explora pontos de vista diferentes sobre assuntos importantes para a pessoa;
- Cultivar um ambiente de reflexão sincera e livre, onde a pessoa pode questionar as suas crenças e fazer escolhas;
- Apoiar e guiar as reflexões sobre os novos pontos de vista.
Naturalmente, esta proposta recebeu aplausos e críticas, sendo as últimas o facto de valorizar a razão em detrimento da emoção e de não considerar o contexto. Por outro lado, sem suficiente apoio, a pessoa pode ficar desorientada e não conseguir chegar a uma nova conceção da realidade.
Teoria da Aprendizagem Experiencial
David Kolb apresentou uma teoria em que a aprendizagem é vista como um processo de construção de conhecimento que está assente na experiência.
Segundo este modelo, a aprendizagem é um processo contínuo, e não um resultado, que se torna possível através da experiência. Além disso, envolve uma troca entre a pessoa e o meio que a rodeia e uma adaptação ao mundo.
Para Kolb, aprender envolve:
- Observar uma experiência;
- Refletir sobre essa experiência;
- Conceptualizar, ou seja, compreender;
- Aplicar o novo conhecimento, estendendo-o a uma nova experiência.
Neste ciclo de aprendizagem, a pessoa participa ativamente, está no centro do processo e aprende fazendo e refletindo. É particularmente útil quando o objetivo é aprender novas tarefas e processos.
Para melhorar a educação do doente com esta teoria considere:
- Mostrar como se faz;
- Estimular a reflexão sobre como aplicar o novo conhecimento;
- Pedir para a pessoa repetir a ação ou informação, incorporando os erros na aprendizagem;
- Utilizar exercícios de role-play.
Uma das críticas a esta teoria tem sido, novamente, o foco excessivo no processo individual — a próxima proposta colmata esta lacuna.
Teoria Cognitiva Social
O psicólogo Albert Bandura começou por apresentar a Teoria da Aprendizagem Social, que postula que as pessoas aprendem através da observação dos outros. Anos mais tarde, Bandura expandiu essa teoria e propôs a Teoria Cognitiva Social, na qual a aprendizagem ocorre no contexto social, através da interação entre fatores individuais, comportamentais e ambientais.
Na Teoria Cognitiva Social, a pessoa:
- Observa os comportamentos dos outros, incluindo as recompensas e punições que os reforçam ou desencorajam.
- Pondera sobre esses resultados, sobre o valor que podem trazer para a sua vida e sobre a sua capacidade de realizar a ação.
- Imita o comportamento caso consiga reproduzi-lo e esteja motivado para o fazer.
- Integra esse comportamento na sua forma de estar e agir.
Esta teoria enfatiza a influência social — que inclui a família, amigos, colegas, profissionais de saúde, figuras públicas, entre outros — para a aprendizagem de comportamentos, atitudes e respostas. Contudo, Bandura considera que a observação dos outros pode não ser suficiente para a mudança comportamental: podemos aprender por observação sem chegar a imitar essa ação.
Outros contributos desta teoria são a importância da autoeficácia, ou seja, da confiança que a pessoa tem nas suas capacidades de realizar a ação; também evidencia e a importância do reforço (interno ou externo, positivo ou negativo) para a manutenção do comportamento.
Para alavancar este modelo de aprendizagem na educação do doente procure:
- Associar o conhecimento/comportamento a uma pessoa ou grupo de influência, ou seja, a modelos;
- Partilhar o testemunho de alguém numa situação semelhante;
- Mostrar o comportamento desejável, incluindo na forma de vídeo ou imagens;
- Reforçar o comportamento de forma positiva, associando benefícios;
- Fornecer informação e ferramentas que aumenta a capacidade que a pessoa considera ter para realizar o comportamento (autoeficácia).
Como usar estas propostas para melhorar a educação do doente
Como referi, conciliar as diversas teorias e aplicá-las para melhorar a educação do doente pode ser uma tarefa desafiante. Aqui fica uma síntese das propostas deste artigo.
Mostre a relevância a informação para o utente
- Mostre como essa informação ajuda a resolver problemas reais.
- Coloque a informação no contexto da vida do utente.
- Fale sobre os benefícios da nova informação.
Envolva o utente
- Defina objetivos de forma colaborativa.
- Dê mais autonomia para o utente decidir o que quer aprender.
- Considere as suas necessidades e a experiência de vida.
- Peça-lhe feedback e a opinião.
- Solicite as suas dúvidas e perguntas.
Invista na prática
- Proporcione oportunidades de experimentação.
- Dê prioridade a informação prática.
- Ofereça ferramentas que aumentam a capacidade do utente agir.
Encoraje a reflexão
- De forma empática, convide o utente a refletir sobre as suas “verdades absolutas”.
- Crie um espaço de partilha e discussão sem julgamentos.
- Crie cenários que ajudam o utente a aplicar o que aprendeu.
Partilhe exemplos inspiradores
- Selecione testemunhos de pessoas ou grupos que o utente vê como modelos a seguir.
- Fale dos ganhos e benefícios que essas pessoas alcançaram.
Promova a recompensa
- Associe algo positivo à aprendizagem.
- Crie recompensas.
- Estimule a motivação interna.
Tell me and I forget,
teach me and I may remember,
involve me and I learn.– Benjamin Franklin