Blog Comunicar em Saúde
Eufemismos na comunicação em saúde: o delicado equilíbrio entre a suavização e a clareza da informação
14 dezembro 2024, PATRÍCIA RODRIGUES

Os eufemismos são frequentemente utilizados na comunicação em saúde com o intuito de suavizar ideias potencialmente desconfortáveis. Mas será que facilitam a compreensão e aceitação da notícia, ou criam barreiras à clareza e à confiança? Neste artigo, abordo os benefícios e os riscos dos eufemismos na comunicação em saúde, dou exemplos concretos e proponho alguns cuidados a ter na utilização desta estratégia linguística.
Índice
O que são eufemismos?
Os eufemismos são expressões que substituem termos potencialmente desagradáveis, ofensivos ou tabus por alternativas mais brandas e aceitáveis. São formas de aligeirar uma informação ou opinião que pode ter um impacto negativo no outro. Usamos eufemismos sempre que queremos evitar ferir ou embaraçar a outra pessoa.
Socialmente, os eufemismos têm um papel importante. São uma forma de mostrar respeito e empatia e permitem gerir conflitos de forma diplomática. Alguns autores consideram mesmo que o uso de eufemismos é uma capacidade linguística avançada. Contudo, esta abordagem indireta ao assunto em conversação também pode ser interpretada como falta de clareza e de frontalidade — ou seja, como uma forma de fugir à verdade dos factos.

O coração não bate: uso de eufemismos na comunicação de más notícias
Recentemente dei formação de comunicação a médicos ginecologistas e obstetras. Quando abordámos a comunicação de más notícias durante a realização de uma ecografia à grávida, surgiu o uso da expressão “o coração não bate”. Algumas pessoas defernderam que esta seria uma boa forma de dar a notícia; outras lembraram que a grávida iria, a seguir, perguntar “Mas… o bebé está bem?”.
De facto, alguns autores desaconselham o uso de tais eufemismos na comunicação de más notícias, pois podem deixar a pessoa confusa ou pouco esclarecida. E se a brutalidade na comunicação da notícia gera sofrimento, a falta de clareza, mais cedo ou mais tarde, gera insatisfação e quebra de confiança.
Ainda assim, não podemos ignorar o facto de uma colocação frontal e direta (por exemplo, “o bebé morreu”), possivelmente, causará dor desnecessária. A escolha das palavras muda a forma como a pessoa interpreta e, consequentemente, reage às informações. Por isso, é importante observarmos e refletirmos sobre essas escolhas.
>> LEIA TAMBÉM: O papel da empatia na comunicação em saúde
Mais exemplos de eufemismos na comunicação em saúde
Na comunicação com o doente, os eufemismos surgem frequentemente em situações onde as palavras podem gerar sofrimento, tanto físico como emocional. Podem ser usados na comunicação de más notícias, do diagnóstico, do prognóstico, ou na descrição de procedimentos ou sintomas.
Abaixo encontra exemplos eufemísticos (a negrito) que podem ser usados em vez das respetivas alternativas diretas:
- “Infelizmente, não há mais opções terapêuticas“, em vez de “Não há mais nada que possamos fazer”.
- “Pode sentir algum desconforto“, em vez de “Pode sentir dor”.
- “A doença está numa fase avançada“, em vez de “O doente está em fase terminal”.
- “Dificuldade em respirar”, em vez de “asfixia”.
- “Cuidados paliativos,” em vez de “Cuidados em fim da vida”.
- “Fluído nos pulmões”, em vez de “insuficiência cardíaca”.
- “O Miguel partiu”, em vez de “O Miguel morreu”.
Benefícios dos eufemismos na comunicação em saúde
> Redução de ansiedade e desconforto
As palavras têm o poder de evocar emoções fortes. Em situações de alta carga emocional, o uso de um eufemismo pode ajudar a reduzir o impacto psicológico da mensagem e permitir que o doente processe melhor a informação. Por exemplo, referir “riscos associados” em vez de “possíveis complicações graves” pode minimizar o medo do desconhecido, facilitando a aceitação de tratamentos ou exames necessários.
> Promoção de esperança e otimismo
O eufemismo substitui expressões com conotações negativas por um vocabulário neutro ou mesmo positivo. Um profissional que usa expressões como “tratamento paliativo” em vez de “cuidados em fim de vida” pode estimular uma visão mais positiva, centrada no conforto e na qualidade de vida. Desta forma é possível fomentar a esperança e motivar os doentes e seus familiares a colaborar mais ativamente no plano de cuidados.
> Construção de um ambiente de confiança
A escolha de palavras mais brandas pode ser interpretada como um sinal de empatia e preocupação com bem-estar emocional do doente. Num contexto de saúde, onde a vulnerabilidade é alta, essa abordagem pode fortalecer a relação entre o doente e o profissional, abrindo espaço para conversas difíceis, mas importantes.
Riscos do uso de eufemismos
> Falta de clareza
Um dos principais perigos dos eufemismos é a ambiguidade. Termos demasiado suaves podem gerar confusão ou interpretações erradas, comprometendo a compreensão do doente ou familiares quanto ao que está a acontecer. Por exemplo, dizer que uma cirurgia é “minimamente invasiva” pode levar o doente a subestimar os riscos da intervenção e o tempo de recuperação. Além disso, sem estar na posse de informação clara, a pessoa não consegue tomar decisões bem informadas.
Veja-se também este relato:
“A minha amiga estava muito preocupada, pois o seu marido poderia ser transferido do hospital onde estava para uma unidade de cuidados paliativos que ficava longe da sua casa. Não seria fácil ir visitá-lo. Certa manhã, telefonaram-lhe a informar que o marido “tinha partido”. A minha amiga perguntou para onde o marido tinha sido transferido, ao que o interlocutor respondeu que o marido tinha, de facto, morrido.”
> Desvalorização da gravidade
Ao atenuar informações críticas, os profissionais podem passar a impressão de que a situação é menos grave do que realmente é. Desta forma, o doente pode ficar com uma perceção errada da severidade da situação. Isso pode levar a uma falta de preparação emocional (como veremos no ponto seguinte) e, novamente, ao comprometimento da decisão informada. Além disso, subvalorizar a situação, pode afetar a adesão ao tratamento e ao autocuidado.
> Comprometimento do ajuste emocional
Um estudo avaliou o impacto da comunicação explícita de um diagnóstico de cancro, em oposição ao uso de eufemismos, na capacidade dos doentes gerirem a sua ansiedade. Neste trabalho, embora o uso da palavra “cancro” tivesse aumentado a ansiedade dos doentes, permitiu-lhes pensar de forma realista sobre a sua situação e facilitou o ajuste emocional à nova condição de vida. A falta de realismo pode, por isso, comprometer esta adaptação psicológica, tão importante para o bem-estar emocional e para o envolvimento nos tratamentos.
> Impacto na confiança
Quando um doente percebe que a informação foi “adoçada” para parecer menos preocupante, pode interpretar isso como falta de transparência ou paternalismo. Essa interpretação é reforçada quando o eufemismo é conjugado com a ocultação de detalhes relevantes. Estes fatores podem enfraquecer a confiança no profissional, especialmente em culturas ou contextos onde a comunicação direta e pragmática é mais valorizada.
Cuidados a ter no uso de eufemismos em saúde
Talvez não concorde com todos os exemplos de eufemismos que referi até agora. Tal reflete a dificuldade de comunicar em saúde: não é um protocolo pré-estabelecido, é um ajuste constante ao outro. Equilibrar a transparência e clareza da informação com o conforto psicológico doente é difícil: exige avaliar cada caso e considerar fatores como a personalidade da pessoa, o contexto pessoal e a gravidade da situação.
Aqui estão algumas diretrizes para usar eufemismos na comunicação com doentes e familiares:
1. Adaptar à pessoa
Cada doente é único e a forma como reage às palavras depende da respetiva experiência, personalidade e expectativas. Algumas pessoas preferem a clareza absoluta, enquanto outras sentem-se mais confortáveis com mensagens atenuadas. Este ponto também tem relação com a cultura da pessoa: alguns povos aceitam melhor a informação direta e explícita, outros privilegiam abrilhantar a realidade.
2. Usar eufemismos q.b.
Excesso de eufemismos pode conduzir a uma sucessão de erros na interpretação que, em vez de apaziguar, aumentam o desconforto e constrangimento da pessoa. Por isso, tal como com o medicamento, o uso de expressões eufemísticas deve ser na dose certa.
Note que pode estar a usar eufemismos sem ter consciência que o faz! Tenha em atenção à forma como , pois pode ser para si tão habitual (tão automático) usar eufemismos, que já nem nota que os usa!
3. Usar um eufemismo e, a seguir, dar a notícia com frontalidade
Na comunicação de más notícias, alguns autores aconselham evitar o uso de eufemismos, ou seja, recomendam usar sempre uma linguagem clara e direta. Porém, outros autores sugerem que os eufemismos podem ser uma forma de preparar a pessoa para o confronto com a informação. Neste caso, a seguir ao eufemismo, e após uma pausa que permite ao doente refletir sobre o que ouviu, o profissional entrega a notícia de forma explícita — mas sem brutalidade.
4. Confirmar que a informação foi compreendida
Usar eufemismos implica que o recetor da informação terá de deduzir o significado do eufemismo. Lembre-se que algumas pessoas podem não compreender a sua intenção e mensagem, e outras podem entendê-la mal. Por isso, é fundamental garantir que as duas partes da comunicação (profissional e doente) estão em acordo quanto ao significado da mensagem. Tal pode exigir confirmar se o doente compreendeu bem, ainda que a informação tenha sido fornecida de forma indireta.
Conclusão
Na comunicação em saúde, os eufemismos são como uma faca de dois gumes. Por um lado, podem mitigar o impacto emocional da informação; por outro, podem afetar a compreensão, prejudicar a decisão informada e comprometer a confiança no profissional. Sabendo isto, os eufemismos devem ser usados com sensibilidade e equilíbrio, respeitando sempre as particularidades do doente e o seu contexto. A linguagem que usamos determina a experiência do doente e família — por isso, é importante fazermos bom uso desta ferramenta terapêutica.
Quer saber mais sobre comunicação em saúde?