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Comunicação centrada na pessoa: a essência do cuidado em saúde
22 março 2024, PATRÍCIA RODRIGUES

Na prestação de cuidados de saúde, o foco está, naturalmente, nas pessoas. No entanto, há um conceito que vai além do diagnóstico e do tratamento ou alívio de sintomas: o cuidado centrado na pessoa. Este conceito mostra a necessidade de reconhecer a individualidade de cada um, considerando não apenas a sua condição médica, mas também as suas necessidades emocionais, psicológicas e sociais. Dentro deste contexto, a comunicação desempenha um papel fundamental — é aí que entra a comunicação centrada na pessoa.
Cuidado centrado na pessoa: uma visão holística da saúde
O cuidado centrado na pessoa é uma abordagem holística que coloca a pessoa no centro do cuidado de saúde. Mais do que apenas tratar uma condição clínica, esta abordagem reconhece a importância de considerar a pessoa como um todo, levando em conta as suas experiências, valores, preferências e circunstâncias individuais.
O Institute of Medicine (atualmente National Academy of Medicine) estabeleceu o cuidado centrado na pessoa como um dos objetivos dos sistemas de saúde para o século XXI e definiu-o como um “cuidado que respeita e responde às preferências, necessidades e valores individuais do doente e garante que os seus valores orientam todas as decisões clínicas”. Adicionalmente, descreveu os seguintes seis princípios do cuidado centrado na pessoa:
- Respeito pelos valores, preferências e necessidades expressas pelas pessoas com doença
Tal envolve responder aos seus desejos, necessidades e preferências, não só físicas como também emocionais, oferecendo oportunidades para participação informada na tomada de decisões. - Coordenação e integração do cuidado
Um cuidado centrado na pessoa é também um cuidado multidisciplinar. Assim, é fundamental a coordenação entre serviços e especialidades, para garantir que as informações dadas às pessoas são precisas e atempadas. - Informação, comunicação e educação
Os doentes desejam saber o que se passa com a sua saúde (diagnóstico), o que pode acontecer e como podem ser afetados (prognóstico) e o que podem fazer para alterar ou gerir a situação (tratamento). Para tal, as informações devem ser dadas numa linguagem compreensível e adaptada às suas necessidades. - Conforto físico
É importante aliviar sintomas físicos como dor, falta de ar, especialmente no final da vida. - Apoio emocional
Medo da incerteza, medo da dor, medo das consequências na família ou o impacto financeiro são alguns medos que os doentes e cuidadores vivenciam. Por isso, além do tratamento físico, é essencial oferecer apoio emocional aos doentes, aliviando receios e ansiedades associados à doença. - Envolvimento da família e amigos
Envolver a família e amigos próximos, quando apropriado, significa incluí-los na tomada de decisões, apoiá-los no seu papel de cuidadores e atender também às suas necessidades e contributos.
Ao adotar um cuidado centrado na pessoa, os profissionais de saúde procuram estabelecer uma relação de parceria com os doentes e capacitá-los a participar ativamente nas decisões relacionadas com a sua saúde. Isto implica não apenas informar os doentes e famílias sobre opções de tratamento — informação essa que tem de ser simples e compreensível, de forma a permitir a decisão informada — mas também ouvir atentamente as suas preocupações, responder às suas perguntas e respeitar as suas escolhas. Assim, o cuidado deixa de estar tão centrado no conhecimento e competências do profissional de saúde e passa a estar mais centrado nas necessidades específicas de cada pessoa.
Comunicação centrada na pessoa: a arte de ouvir e dialogar
A comunicação centrada na pessoa é uma extensão do cuidado centrado na pessoa. É uma abordagem comunicativa que enfatiza a importância de estabelecer uma conexão significativa entre o profissional de saúde e o doente.
De acordo com Epstein e Street, a comunicação centrada na pessoa inclui:
- Solicitar e compreender a perspetiva do doente.
- Compreender o doente no seu contexto biológico, psicológico e social único.
- Alcançar uma compreensão partilhada sobre o problema e o tratamento.
- Envolver o doente na decisão, na medida do seu desejo.
Ao invés de simplesmente transmitir informações, esta abordagem procura criar um ambiente de confiança e empatia, onde o doente se sente seguro para partilhar as suas preocupações e necessidades, colaborar na decisão e expressar as suas emoções.
Objetivos da comunicação centrada na pessoa
A comunicação centrada na pessoa visa:
- Estabelecer uma relação de confiança
A comunicação centrada na pessoa estabelece a confiança mútua entre o profissional de saúde e o doente, essencial para a partilha de informações pessoais, preocupações e dúvidas relacionadas com a sua saúde. - Compreender as necessidades e preocupações da pessoa
Um dos principais objetivos da comunicação centrada na pessoa é compreender verdadeiramente as necessidades, preocupações e expectativas do doente. Isso implica ouvir atentamente a pessoa, sem interromper, fazer perguntas abertas e demonstrar empatia em relação às suas experiências. - Fornecer informações claras e precisas
A comunicação centrada na pessoa procura fornecer informações de forma clara, acessível e relevante para a pessoa. Isso inclui explicar diagnósticos, opções de tratamento, procedimentos médicos e possíveis efeitos secundários, de forma descomplicada. Só assim a pessoa pode colaborar na tomada de decisão. - Envolver o doente no processo de cuidados
Um dos pilares da comunicação centrada na pessoa é envolver ativamente a pessoa no cuidado. Isto significa encorajar a sua participação na decisão, respeitar as suas opiniões, preferências e escolhas, e trabalhar em parceria para desenvolver planos de tratamento adequados às suas necessidades específicas. - Promover a autonomia e a capacitação
A comunicação centrada na pessoa também procura promover a autonomia do doente, dotando-o com as capacidades necessárias para assumir um papel ativo no seu cuidado de saúde. - Responder às emoções do doente
Os profissionais de saúde que adotam uma abordagem centrada na pessoa reconhecem a importância de responder às emoções da pessoa com doença. Isso implica validar os sentimentos do doente, oferecer apoio emocional e ajudar a gerir o stress, a ansiedade e outras emoções relacionadas à sua situação de saúde.
Em resumo, a comunicação centrada na pessoa visa garantir que o doente é tratado como um parceiro ativo no seu próprio cuidado, promovendo uma relação de respeito, empatia e confiança entre o profissional de saúde e a pessoa com doença, assim como com os seus familiares.
(Algumas) Estratégias de comunicação centrada na pessoa
Para que a comunicação centrada na pessoa seja eficaz, é essencial que os profissionais de saúde demonstrem habilidades de escuta ativa, pois só ouvindo a pessoa é possível atender às suas necessidades e valores. A escuta ativa é mais do que ouvir o que o doente verbaliza, é demonstrar interesse genuíno no conteúdo verbal e nas emoções subjacentes. Manter o contacto ocular, adotar uma postura corporal aberta e interessada são aspetos que mostram à pessoa e família que estão a ser ouvidos.
Além disso, os profissionais de saúde devem ser capazes de mostrar empatia, ou seja, de se colocar no lugar do doente, compreendendo as suas emoções, preocupações e experiências — sem as julgar. Leia mais sobre empatia aqui.
Igualmente importante é a clareza da informação. Os profissionais de saúde devem comunicar de forma clara, evitando o uso excessivo de jargões técnicos e adaptando a linguagem ao nível de compreensão da pessoa. Ao fornecer explicações acessíveis e relevantes sobre diagnósticos, tratamentos e prognósticos, os profissionais capacitam os doentes a tomar decisões esclarecidas. A clareza da informação facilita o entendimento do doente, mas também fortalece a relação de confiança entre ele e o profissional, garantindo que o doente se sente completamente informado e envolvido no cuidado. Leia mais sobre informação clara aqui.
Tal como disse Dominique Wolton, “informar não é comunicar”. Desta forma, além de transmitir a informação de forma simples e empática, é necessário confirmar que o doente compreendeu as informações fornecidas. Uma forma de confirmar a compreensão é utilizar o teach-back. Esta técnica de comunicação consiste em fornecer informações à pessoa e, de seguida, solicitar que esta repita ou ensine de volta o que acabou de aprender, utilizando as suas próprias palavras. Essa abordagem permite verificar se o doente compreendeu bem as informações que recebeu, permitindo esclarecimentos adicionais, quando necessário.
Conclusão
Em conclusão, a comunicação centrada na pessoa emerge como um elemento crucial no fornecimento de cuidados de saúde de qualidade. Ao reconhecer a individualidade de cada pessoa e ao considerar não apenas a sua condição clínica, mas também as suas necessidades emocionais, psicológicas e sociais, esta abordagem promove uma relação de respeito, empatia e confiança entre profissionais de saúde e doentes e família. Estratégias de comunicação centradas na pessoa incluem a escuta ativa, a empatia, a clareza e a confirmação da compreensão.
Physicians must be as attentive to developing and refreshing communication skills as they are to developing and refreshing diagnostic and therapeutic skills.
Dr. F. Daniel Duffy
American Board of Internal Medicine
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