Palavras que não curam: o efeito nocebo
(parte 1)

17 setembro 2022,  PATRÍCIA RODRIGUES

Imagem: Rawpixel.com
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É muito possível que já tenha ouvido falar do efeito placebo e, possivelmente, que o tenha experienciado. Por exemplo, já lhe aconteceu estar com algum problema de saúde e sentir melhorias quando começa a pesquisar possíveis soluções? Ou entrar no consultório médico e a dor que o(a) levou até lá diminuir de intensidade? Este é o efeito placebo: um resultado positivo no estado de saúde sem que haja uma intervenção que o justifique.

Então, se existe este efeito positivo, podemos colocar a hipótese do seu contrário também existir, ou seja, um efeito negativo sem aparente razão?

Não só podemos, como tal já está descrito na literatura: é o efeito nocebo, por vezes chamado placebo negativo.

Na primeira parte deste artigo explico o que é o efeito nocebo, as suas consequências e possíveis moduladores; na segunda parte abordarei as implicações clínicas e estratégias para o evitar.

 

O que é o efeito nocebo?

Pensemos no caso do Paulo. O Paulo tem uma dor lombar persistente e limitante há alguns dias e decidiu ir ao médico para saber se tem algum problema de saúde mais complicado e o que pode fazer para tratar a dor. Na consulta médica, é informado que teria de fazer mais exames e, devido à sua história de hérnias, é colocada a possibilidade de cirurgia. O Paulo fica muito preocupado e a dor agrava. Este agravamento de sintomas é o efeito nocebo.

O efeito nocebo é uma resposta negativa que não pode ser explicada pela ação terapêutica ou medicamentosa. Alguns autores relacionam-no com os efeitos adversos que alguns doentes descrevem quando recebem um placebo (note que placebo e efeito placebo são conceitos diferentes: o primeiro diz respeito à intervenção clínica — administração de um tratamento ou medicamento inativo; o segundo refere-se à melhoria do estado de saúde sem explicação); outros vão além do placebo. Ashraf e colegas, definem-no como “comunicação não intencional de sugestões verbais ou não verbais de efeitos indesejáveis, resultando no agravamento de sintomas clínicos pré-existentes ou no surgimento de novos”

Assim, o efeito nocebo tem origem na informação fornecida por profissionais de saúde, meios de comunicação, familiares e amigos. Essa informação (verbal e não verbal) é interpretada à luz do conhecimento adquirido, experiências anteriores ou observação social, gerando uma imagem de futuro — uma expectativa. Para  Colloca e Barsky, as expectativas negativas que o doente tem em relação à sua doença ou ao tratamento são os desencadeadores do efeito nocebo. 

 

Alguns exemplos de informação que pode causar o efeito nocebo

Como vimos, a comunicação pode promover resultados positivos ou negativos. De facto, um estudo mostrou que avisar o doente das experiências negativas subsequentes, dizendo “vai sentir uma dor como uma picada de abelha” ou “vai sentir um ardor”, aumentou a dor e a ansiedade.

Outras frases que podem induzir o efeito nocebo são:

  • Cuidado para não agravar a lesão.
  • Não tomar a vacina da gripe pode levar a complicações graves de saúde, principalmente nas idades mais avançadas.
  • É uma doença crónica, vai ser para sempre.

Nestes exemplos, alternativas menos “nocebogénicas” poderiam ser, respetivamente

  • “Fazer um bom aquecimento vai ajudar a treinar sem dor.”
  • “A vacina ajuda a manter-se saudável e ativo durante a época da gripe.”
  • É uma doença crónica que, sendo bem acompanhada, permite-lhe fazer uma vida normal.”

Saber o que é o efeito nocebo e as consequências que pode ter na prática clínica leva-nos a repensar a interação com o doente — na segunda parte deste artigo falarei mais sobre isso, assim como estratégias que ajudam a transformar a primeira versão destes exemplos na segunda.

 

As respostas neurofisiológicas explicam este efeito

Tanto o efeito placebo como o efeito nocebo são gerados pelas expectativas, mais ou menos conscientes, que a informação cria. Esses processos cognitivos desencadeiam respostas fisiológicas distintas. 

Em quadros de dor, um contexto onde o efeito nocebo está mais estudado, sabe-se que a interpretação individual faz diminuir a dopamina e aumentar os níveis de cortisol e de determinados neuropéptidos — como resultado, os sintomas agravam. Já no efeito placebo, a confiança e esperança geradas pela comunicação levam ao aumento de neurotransmissores como opióides, oxitocina e dopamina, que induzem a melhoria dos sintomas. 

 

O efeito nocebo pode ser mais comum do que imaginamos

De acordo com Colloca e Barsky, “até um quarto dos doentes de ensaios clínicos que recebem placebo descontinuam o tratamento devido a efeitos adversos”. De facto, diversos estudos mostraram que o efeito nocebo acontece em diferentes patologias, como a depressão, Parkinson, dor, alergias, entre outras. 

Para estimar a dimensão deste efeito, uma metanálise avaliou a proporção de doentes com fibromialgia que receberam placebo e referiram, pelo menos, um efeito adverso ou pararam o tratamento. Dos doentes que participaram nos 16 estudos randomizados incluídos nesta análise, 67,2% reportou pelo menos um efeito adverso e 9,5% abandonou o tratamento

Outra metanálise incluiu 41 ensaios clínicos randomizados que avaliaram opções farmacológicas para a doença de Parkinson. Dos 3544 doentes que receberam placebo, 64,7% referiu pelo menos um efeito adverso e 8,8% parou o tratamento devido a intolerância.

São dados indicativos, embora de magnitude muito relevante, que certamente merecem uma pesquisa aprofundada.

 

Consequências clínicas do efeito nocebo

Referi anteriormente, de uma forma abrangente, que o efeito do nocebo pode agravar ou desencadear sintomas indesejáveis. Além disso, e em consequência disso, o efeito nocebo pode:

  • Diminuir a tolerância ao tratamento;
  • Diminuir a adesão ou motivar a interrupção do tratamento;
  • Levar a custos adicionais com consultas ou tratamentos para aliviar os novos sintomas;
  • Diminuir a eficácia de um tratamento ou causar falha terapêutica;
  • Ter um impacto negativo no estado de saúde do doente e no curso da doença.

 

Diversos fatores estão associados ao efeito nocebo

Ainda que haja muito para estudar nesta área, parecem haver moduladores do efeito nocebo. Estes estão relacionados com o indivíduo, com a informação e com o estilo de comunicação.

No cômputo individual, o efeito nocebo parece ser mais comum em pessoas que:

  • São mais ansiosas;
  • Têm história de sintomas sem explicação;
  • Têm dificuldade na gestão emocional.

Além disso, experiências anteriores negativas podem condicionar a pessoa a associar um tratamento ou intervenção a um resultado desagradável, o que, como vimos, pode induzir esse mesmo resultado. 

A respeito da informação, são os aspetos (percebidos como) negativos que desencadeiam o nocebo. Considerando que a informação de saúde está hoje dispersa por vários canais — profissionais de saúde, familiares, amigos, internet, redes sociais, meios de comunicação — a pessoa pode, inclusivamente, estar exposta ao efeito nocebo sem dar conta e, quando chega à consulta, já tem crenças negativas sobre o que se segue.

Além disso, há que considerar o estilo de comunicação do profissional: falta de empatia e de tolerância, pouco contacto ocular, não sorrir e outros aspetos não verbais propiciam o efeito nocebo. 

Na segunda parte deste artigo vou abordar algumas ferramentas para evitar o efeito nocebo. Para conhecê-las, continue a ler aqui. »»

AUTORA:

Patrícia Rodrigues, Medical Writing & Health Communication
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