Blog Comunicar Saúde
O papel da empatia na comunicação em saúde
12 dezembro 2022, PATRÍCIA RODRIGUES

“Empatia é conseguir ver o mundo com os olhos dos outros”, ouvimos dizer. Esta explicação é simples, mas a sua aplicação não é. Ser empático exige uma troca de papéis com o nosso interlocutor para conseguirmos compreender a sua situação a partir da sua experiência de vida, e não da nossa.
A capacidade de sairmos do nosso mundo e entrarmos no mundo do outro é muito importante nas relações humanas e, naturalmente, na comunicação em saúde. Contudo, no modelo atual de cuidado de saúde, centrado na produtividade e com pouco tempo para o doente, haverá espaço para a empatia?
Neste artigo falo sobre a empatia na comunicação em saúde: a sua importância, estratégias para a desenvolver e alguns desafios atuais e futuros. O foco está na comunicação entre o utente e o profissional de saúde.
O que é a empatia
Embora o termo empatia esteja algo banalizado, não se trata de um conceito simples. Para Helen Reiss “a empatia é uma capacidade complexa que permite aos indivíduos compreender e sentir os estados emocionais dos outros, resultando num comportamento compassivo. A empatia requer capacidades cognitivas, emocionais, comportamentais e morais para entender e responder ao sofrimento dos outros”. Dito de outra forma, a empatia fala de conseguirmos compreender o outro, incluindo a sua situação de vida e as suas emoções — desta compreensão surge a motivação para ajudar. A Ordem dos Psicólogos produziu um vídeo sobre empatia que ajuda bastante a compreender o conceito.
A empatia tem várias dimensões, incluindo a cognitiva (capacidade de compreender e adotar a perspetiva do outro) e a emocional (capacidade de experienciar os mesmos sentimentos do outro). Além destas, alguns autores consideram também a empatia moral (motivação interna para cuidar do outro de forma altruísta).
Não existe um consenso na definição de empatia nem uma conciliação harmónica destas dimensões, o que se reflete na investigação na área. Alguns trabalhos exploram a empatia cognitiva, outros a vertente emocional; além disso, encontramos estudos com diferentes desenhos e instrumentos de avaliação, o que, no conjunto, dificulta a comparação e extrapolação de resultados — aguardemos por mais clareza no futuro.
Nós sentimos as dores do outro
Como vimos, a empatia permite-nos compreender a outra pessoa, nas suas alegrias e dificuldades. Esta sintonia vai além da reprodução mental e emocional, é também bioquímica. Vejamos o seguinte exemplo de um trabalho da Universidade de Londres. Um grupo de mulheres fez uma ressonância magnética funcional ao cérebro, durante a qual recebeu um choque elétrico forte; esse choque ativou uma zona específica do cérebro. Ainda durante a ressonância, as participantes foram informadas de que os seus maridos iriam receber um estímulo semelhante. Como resultado, a mesma zona do cérebro foi ativada, mesmo sem ter havido um choque elétrico. Com base nestas observações, os investigadores sugeriram que a empatia envolve representar internamente os mesmos estados psicológicos e emocionais da outra pessoa, refletindo-se na sua neuroquímica.
Qual a importância da empatia nos cuidados de saúde?
A empatia está na base da medicina humanista e do cuidado centrado no doente. De facto, uma comunicação empática está associada a diversos benefícios, tais como:
- Maior satisfação do doente;
- Maior adesão ao tratamento;
- Maior facilidade em obter informação relevante durante a consulta;
- Melhor relação entre o profissional de saúde e o doente;
- Redução do risco de erros médicos;
- Redução da estadia hospitalar após cirurgia.
Além disso, alguns estudos também correlacionam a empatia do profissional de saúde com os resultados clínicos, nomeadamente:
- Melhor função imunitária;
- Melhor controlo da glicemia em doentes diabéticos;
- Redução do número de episódios de crise asmática;
- Redução a intensidade da dor.
No contexto clínico, Mercer e Reynolds argumentam que a empatia só produz benefícios quando claramente comunicada ao doente. Na perspetiva dos autores, esta componente comportamental fecha o ciclo da comunicação empática, que inclui: compreender — sentir — comunicar.
A empatia pode ser aprendida?
Embora a empatia tenha uma vertente inata e até evolutiva, nomeadamente a empatia emocional, a evidência mostra que é possível aprender a ser empático. De acordo com Dohrenwend, “a empatia pode e deve ser ensinada”, particularmente a sua dimensão cognitiva.
Tal ficou demonstrado num estudo randomizado, em que 99 médicos foram divididos em dois grupos: um grupo recebeu formação médica com módulos de empatia e o outro recebeu a mesma formação, mas sem abordar a empatia. Um mês e dois meses depois da formação, os doentes desses médicos avaliaram a empatia do profissional que os acompanhava. De notar que os doentes não sabiam qual das formações o seu médico tinha feito. Os resultados mostraram que os médicos do primeiro grupo foram mais empáticos e melhoraram a sua capacidade de reconhecer emoções nas expressões faciais dos doentes.
Em sentido oposto, alguns estudos mostram que a empatia pode diminuir ao longo do tempo, indicando, hipoteticamente, a necessidade de formações deste tipo ao longo do percurso profissional.
Estratégias para aumentar a empatia na comunicação
A empatia exige esforço, atenção e intenção. De acordo com Reiss, para o estabelecimento da empatia é necessário:
- Adotar a perspetiva do outro;
- Valorizar o bem-estar do outro;
- Perceber a semelhança entre nós e o outro;
- Haver partilha de sentimentos.
Além disso, um dos aspetos importante na comunicação empática é a capacidade de ler sinais não verbais. Para ajudar os profissionais de saúde a lembrarem os comportamentos não verbais relevantes para a comunicação empática, a mesma autora desenvolveu a ferramenta E.M.P.A.T.H.Y. Com este acrónimo pretendeu chamar a atenção para:
E: Contacto ocular [Eye contact]
Embora este aspeto possa diferir de cultura para cultura, estabelecer contacto ocular é um componente importante da interação e conexão social. Porém, num sistema de saúde focado na tecnologia e registo da informação, o olhar nos olhos durante a interação com o doente pode ficar comprometido.
M: Músculos da expressão facial
É importante que o profissional de saúde tenha algum cuidado com as suas expressões faciais pois, ainda que ténues e inconscientes, estas afetam a leitura que o doente faz da interação. Além disso, ser capaz de interpretar corretamente as microexpressões do doente permitirá compreendê-lo melhor e estabelecer mais empatia. Curiosamente, alguns estudos mostram que pessoas empáticas imitam mais frequentemente a postura e microexpressões do outro.
P: Postura
Imagine duas pessoas a conversarem e, em vez de estarem viradas uma para a outra, uma delas está ligeiramente de lado. Esta postura pode passar a mensagem de que não está totalmente interessada na conversa. Outros exemplos de posturas corporais pouco empáticas são as que transmitem resistência e superioridade, como braços cruzados e queixo ligeiramente levantado, respetivamente.
A: Estado emocional [Affect]
Durante a interação, é importante determinar o estado emocional da outra pessoa. Para tal, a autora propõe que o profissional de saúde identifique as emoções presentes, o que pode ser feito mentalmente. Esta clarificação ajudará a sair do “modo autocentrado” e adotar o ponto de vista do outro.
T: Tom de voz
“O problema é a forma como falas!” — já ouviu (ou disse) esta frase? O tom de voz muda o teor da mensagem, pois tem em si uma mensagem.
De facto, um estudo sugere que o tom de voz do cirurgião pode estar relacionado com as queixas que os doentes fazem desse profissional. Neste estudo, os cirurgiões que usaram um tom de voz mais dominante (ie. voz grave, volume alto, velocidade de fala moderadamente rápida, pouca modulação e excelente articulação) receberam mais queixas e litígios. Os autores argumentam que esta forma de interação transmite pouca empatia e baixa compreensão da situação do doente.
H: Ouvir todo do doente [Hearing the whole patient]
Aqui trata-se de ver a comunicação do outro de uma forma mais holística, considerando os sinais não verbais, a narrativa, o contexto de vida, etc. Esta capacidade de ouvir para além das palavras é o veículo para comunicação empática. Exige presença, disponibilidade e abertura para a perspetiva e emoções do outro. Alguns autores referem-se a esta técnica como “escuta ativa”.
Y: A sua resposta [Your response]
Como se tudo o que foi referido anteriormente não fosse suficientemente exigente, a última letra deste acrónimo lembra-nos da importância que o autoconhecimento tem na resposta que damos durante uma interação.
Para respondermos de forma empática é necessário observar e conhecer as nossas emoções, assim como diferenciar as respostas benéficas das prejudiciais. Isto é particularmente crítico quando se trata de reações que podem gerar ou alimentar um conflito com o doente. Assim, a empatia exige ouvir o doente e ouvir o que se passa dentro de nós.

Os desafios da empatia
Embora o tema da empatia seja recorrente, como mencionei acima, diversos estudos referem a diminuição da empatia nos cuidados de saúde. Kerasidou apontou várias razões para tal acontecer, tais como:
- Turnos longos;
- Falta de pessoal;
- Falta de tempo com o doente;
- Pressão para obter resultados.
De notar que a maior parte das intervenções para aumentar a empatia nos sistemas de saúde está orientada para a formação dos profissionais de saúde. No entanto, é fundamental lembrar que os fatores organizacionais interferem muito na capacidade do profissional comunicar de forma empática. Assim, para criar condições que o permitam, é necessário repensar e reorganizar o sistema de saúde, englobando, quem sabe, esta dimensão nos objetivos económicos, financeiros, políticos e de saúde. Neste sentido, Kerasidou propôs o alargamento da definição de sistemas de saúde empáticos para incluir os diversos fatores que podem ser facilitadores, ou não, da empatia.
Não quero com isto sugerir que a responsabilidade deixará de ser do profissional e passará a ser da equipa de gestão ou dos decisores. A responsabilidade tem de ser partilhada: a cada um cabe fazer o seu melhor, pois é a ação individual que modifica o resultado do sistema.
Empathic and compassionate care is highly desired by patients and is vital to good patient care and outcomes.
Helen Riess
Quer saber mais sobre comunicação em saúde?