3 passos para construir materiais educativos de saúde mais eficazes: selecionar, descodificar, apresentar

26 outubro 2022,  PATRÍCIA RODRIGUES

Imagem: Rawpixel
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Podemos apresentar a informação de saúde de diversas formas  uma delas são os materiais escritos. No seu desenvolvimento, há que ter especial cuidado na seleção, formulação e design dos conteúdos, particularmente se o público-alvo dessa informação não é conhecedor dos assuntos em causa. Neste artigo vou abordar três passos que ajudarão a construir materiais educativos de saúde mais eficazes, com particular foco nos que são dirigidos a doentes, familiares, cuidadores ou público em geral.


Qual o impacto dos m
ateriais educativos?

Os materiais de saúde servem muitos propósitos. Servem para educar e capacitar o cidadão, assim como motivá-lo para uma determinada ação. Além disso, reforçam a informação que o doente recebeu em consulta e contribuem para o cuidado continuado. Mas não ficamos por aqui, um estudo feito em dois serviços de urgência de França encontrou mais benefícios.

Nesse trabalho, 324 doentes foram divididos em dois grupos: um recebeu uma explicação oral sobre o seu problema de saúde, como é a prática habitual, e o outro grupo recebeu também um folheto informativo. Sete a dez dias após a alta, os doentes responderam a um questionário telefónico para avaliar o impacto do folheto em cinco áreas: comunicação médico-doente, satisfação, adesão, comportamento do médico e comportamento do doente. Os doentes que receberam um folheto reportaram melhor comunicação médico-doente, maior satisfação e menos consultas após o episódio de urgência. Além disso, os seus médicos prescreveram menos de medicamentos e pediram menos exames complementares.

Uma revisão de Sustersic e colegas descreveu mais vantagens dos folhetos informativos, tais como: auxiliar a tomada de decisões, melhorar a adesão ao tratamento ou a orientações de estilo de vida, diminuir o número de visitas ao médico de família e reduzir os níveis de ansiedade. Contudo, para se alcançarem estes resultados, os materiais de saúde devem estar bem estruturados, bem escritos e ter um design convidativo. A seguir, vamos olhar para esses aspetos.

 

1. Selecionar a informação

Quando lemos um texto é frequente pensarmos: Isto é útil para mim? Vai ajudar-me de alguma forma? Vale a pena ler? Se a resposta for sim, continuamos a leitura; se for não, provavelmente, descartamos. O mesmo acontece em relação à informação de saúde, o leitor dedicará atenção ao material se este for do seu interesse. Desta forma, a informação do documento deve representar o balanço perfeito entre o que é relevante para o leitor e o que importa transmitir na perspetiva de quem desenvolve o material.

Ora, para o profissional de saúde, esta tarefa pode não ser fácil, pois tendemos a hipervalorizar a nossa opinião face ao que as pessoas precisam saber e fazer. Nada de errado em ter essa opinião, é natural e expectável. Contudo, tenha em mente que público não especialista, para o qual escrevemos, tem outros interesses e encontra obstáculos que precisam de uma solução. Para entregar essa solução é imperioso conhecer o problema pelos seus olhos.

Ajudar as pessoas no seu percurso exige considerar a sua experiência

Os materiais de saúde devem considerar e dar resposta a problemas e dúvidas de quem os usa. Assim, procure ver a informação pelos olhos das pessoas, considerando as suas necessidades e interesses. Entrar em sintonia com esses interesses é fundamental para desenvolver materiais úteis e que o público vai ler e valorizar.

Perguntas que ajudam a fazer uma seleção de conteúdos mais eficaz:

  • Quem vai ler este material?
  • Que informação procuram?
  • Este conteúdo é realmente necessário para estas pessoas?
  • Estarei a transmitir demasiada informação?
  • Que problemas estou a ajudar a resolver?

Pensar nos conteúdos dos materiais nesta perspetiva ajuda a selecionar assertivamente o que incluir e o que excluir. Por um lado, informação de contexto, excessivamente descritiva ou científica ficará de fora. Por outro, as questões mais práticas e orientadas para o leitor receberão o merecido destaque.

Para construir materiais de saúde eficazes é necessário pensar de forma estratégica nos conteúdos. Esta etapa faz parte de uma mais abrangente, a do planeamento, onde também procuramos conhecer o nosso público-alvo e escolhemos o melhor formato e canal para a nossa comunicação. Imagem: Freepik
Para construir materiais de saúde eficazes é necessário pensar de forma estratégica nos conteúdos. Esta etapa faz parte de uma mais abrangente, a do planeamento, onde também procuramos conhecer o nosso público-alvo e escolhemos o melhor formato e canal para a nossa comunicação. Imagem: Freepik

 

2. Descodificar a informação

O profissional de saúde, para além de cuidar e orientar, é também um tradutor de ciência. Sim, ao profissional cabe a função de descodificar a terminologia médica, científica e, admitamos, pouco empática, para linguagem simples, acessível e compreensível.

Mais uma vez, esta pode não ser uma tarefa fácil, já que o jargão faz parte do vocabulário normal do profissional. Tão normal que pode ser difícil lembrar que tais termos, para a maioria das pessoas, são como um dialeto indecifrável. Para demonstrar a importância desta descodificação, muitas vezes uso exemplos fora da área da saúde, que é o caso da história que se segue.


Conhecer as palavras é diferente de saber o seu significado

Um destes dias precisei de comprar algumas ferramentas para cuidar do jardim. Precisava especificamente de uma para juntar as folhas secas que caem durante o inverno. Perguntei a um funcionário onde estavam essas ferramentas e a pessoa, de forma muito prestável, perguntou: “Quer uma vassoura para relva ou um ancinho?” Ancinho, pensei, conheço a palavra, mas já não estou a ver bem o que é. Comprei a vassoura, mas quando cheguei a casa percebi que o ancinho teria sido melhor escolha.  Este é um exemplo muito simples, longe de ter o impacto da informação de saúde, mas que mostra que o cidadão comum nem sempre conhece as palavras ou significados que são “básicos” para quem domina o assunto.

Voltando à saúde, por vezes as pessoas conhecem os termos médicos, mas não sabem com precisão o seu significado; outras vezes acham que sabem, mas apreenderam a informação de forma errada; outras vezes não sabem, mas dizem que sabem. Pelo meio, a informação de saúde acaba por ficar incompleta ou mesmo errada, ainda que o profissional a tenha proferido com todo o rigor.

A acrescentar às palavras que o leitor não conhece, raciocínios complexos, significados implícitos e pouca aplicabilidade da informação, são fatores que criam barreiras desnecessárias e levarão o leitor a perder rapidamente o interesse. Por isso, é necessário este esforço de simplificação da informação um esforço de simplificação para não haja o esforço da compreensão

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Perguntas que ajudam a redigir conteúdos mais claros:

  • A minha audiência conhecerá as palavras que estou a usar?
  • Posso escrever isto de forma mais clara e concisa?
  • Escrevi frases longas que podem ser divididas ou simplificadas?
  • Estou a usar um tom conversacional, como se me estivesse a dirigir ao leitor?

 

3. Apresentar a informação de saúde

Agora que já selecionou os conteúdos e redigiu o seu texto, é necessário olhar para o aspeto visual. Quando recebemos um documento é comum fazermos uma pré-visualização antes de decidirmos ler de fio a pavio. Sem darmos conta, detalhes como as cores, a densidade do texto, organização do mesmo, existência de imagens, entre outros, são fatores que entram nessa decisão. Além de convidarem à leitura, estes aspetos gráficos ajudarão também a navegar pela informação e a compreendê-la melhor.


Há textos que convidam e há textos que afugentam. De que tipo é o seu?

Lembra-se de ter passado os olhos pelas condições contratuais de algum serviço que contratou? Aqueles que assinamos sem ler… Por que não lemos? Porque são páginas de texto compacto e nada convidativo! Assim, se quer convencer o leitor a ler a informação que está a preparar, pense neste aspeto visual.

No que diz respeito à formatação do texto, procure usar títulos bem destacados, tipo, tamanho e cor de letra fácil de ler, parágrafos pequenos e, quem sabe, algumas listas ou caixas de texto com a informação mais relevante.

Relativamente ao design, é importante que os elementos estejam corretamente alinhados para transmitir a sensação de arrumação e organização visual. Por outro lado, usar imagens e ter espaço vazio são outras formas de tornar o material visualmente mais convidativo. (Volte à memória que tem dos contratos. São páginas onde não há quase espaço sem texto, certo? Esse é o espaço vazio, também chamado espaço branco.)

Sobre as imagens, alguns cuidados: selecione imagens relacionadas com o material em questão e que tenham uma harmonia entre si e com o restante design. Além disso, é fundamental que sejam fáceis de compreender pelo leitor e não abram espaço a múltiplas interpretações.

Perguntas que ajudam a construir materiais visualmente mais apelativos:

  • Esta letra é fácil de ler?
  • As cores combinam harmoniosamente e estão relacionadas com o tema?
  • Estou a chamar a atenção para o que é mais importante?
  • Estou a usar imagens que criam diversidade e também esclarecem?
  • Será que o material está muito cheio?
Para construir materiais de saúde que apoiam o leitor no seu percurso de saúde, há muita edição e revisão pelo caminho. Tenha isso em conta quando planear o seu trabalho. Imagem: Freepik
Para construir materiais de saúde que apoiam o leitor no seu percurso de saúde, há muita edição e revisão pelo caminho. Tenha isso em conta quando planear o seu trabalho. Imagem: Freepik

 

 

Síntese e uma ideia a reter

Para construir materiais educativos de saúde é necessário considerar vários pontos críticos. Neste artigo, abordei três: a seleção de conteúdos, a descodificação da informação e a apresentação visual.

Outro ponto crítico que não abordei é o teste do material com o público-alvo. Assim, para garantir que o material que cuidadosamente preparou está adequado, idealmente, deve testá-lo com pessoas desse grupo. Mais detalhes sobre esta etapa ficarão para um próximo artigo. 

Termino com a ideia-chave deste artigo, que é também o ponto de encontro das estratégias que aqui abordei: para criar um material fácil de ler e compreender, mesmo pelas pessoas com menos literacia em saúde, é importante adotar, a todo o momento, a perspetiva do leitor.

Comunicar em saúde é pensar mais nos outros e menos em nós.

Patrícia Rodrigues

Patrícia Rodrigues, Medical Writing & Health Communication
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