Estratégias de comunicação com pessoas com baixa literacia em saúde
6 abril 2021, PATRÍCIA RODRIGUES

A comunicação entre profissionais de saúde e utentes serve de base para a tomada de decisões, tanto terapêuticas como comportamentais. Para maximizar a eficácia desta comunicação é fundamental adotar estratégias que melhoram a compreensão das pessoas com menor literacia em saúde, um grupo particularmente vulnerável da sociedade.
Este artigo está especialmente direcionado para a comunicação interpessoal entre profissionais de saúde e utentes/doentes. Na primeira parte, mais dedicada à literacia, irei relembrar este conceito, referir as consequências de baixa literacia em saúde e apontar os grupos em maior risco. Na segunda parte, dedicada à comunicação, sublinharei a importância das competências da comunicação, em particular quando comunicamos com pessoas com baixa literacia em saúde, e partilharei estratégias que funcionarão como chaves para melhorar a comunicação oral e escrita. Espero assim contribuir para as suas competências de comunicação e, em última análise, para a saúde dos seus utentes/doentes. Uma nota final para referir que ao longo do texto privilegiarei a terminologia “utente”.
A literacia em saúde é mais que um conceito
O termo Literacia em Saúde surgiu inicialmente na década de 70 e evoluiu para um construto que coloca o indivíduo, famílias e comunidades no centro de um processo de capacitação que permite melhorar a saúde, prevenir doenças e consolidar estilos de vida saudável.
Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), “a literacia em saúde está ligada à literacia e implica o conhecimento, a motivação e as competências das pessoas para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação em saúde de forma a formar juízos e tomar decisões no quotidiano sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, mantendo ou melhorando a qualidade de vida durante o ciclo de vida” (European Health Literacy Consortium, 2012).
Desta forma, a literacia em saúde é a capacidade de:
- aceder, compreender, avaliar e aplicar informação de saúde;
- tomar decisões acertadas e aderir a comportamentos de saúde no decorrer do ciclo de vida;
- navegar no sistema de saúde, cuja complexidade é crescente.
Trata-se de um construto que permeia cada vez mais todas as dimensões da sociedade, levando assim a saúde a todas políticas (Health in all Policies).
Baixa literacia em saúde tem consequências negativas
Baixa literacia em saúde é mais que a dificuldade em ler ou compreender um determinado conteúdo, também prejudica a aplicação essa informação e os comportamentos de saúde. De acordo com esta revisão sistemática, sabemos que baixa literacia em saúde está associada a mais internamentos, maior utilização dos serviços de saúde, pior estado de saúde, má gestão de doenças crónicas, menor adesão à terapêutica e maiores despesas de saúde.
Conhecida a relação entre os níveis de literacia em saúde e os resultados de saúde, é crítico aumentar a primeira de forma a capacitar e empoderar toda a população a ter um papel mais ativo na sua saúde, potenciando a autonomia e o controlo. Em consequência, têm sido feitos esforços, a nível local, nacional e global para promover a literacia em saúde da população e obter ganhos que impactam todos os intervenientes.
Desenvolver a literacia em saúde é um trabalho multidisciplinar, onde intervêm muitos parceiros, nomeadamente os profissionais de saúde. A este respeito, a Direção Geral da Saúde lançou, em 2019, o Manual de Boas Práticas Literacia em Saúde: Capacitação dos Profissionais de Saúde, sendo este uma concretização dos objetivos do Plano de Ação de Literacia em Saúde 2019-2021, documentos que serviram de base para a síntese de estratégias de comunicação que encontrará mais adiante.
Portugal tem baixos níveis de literacia em saúde
Em 2016 foi publicado o Inquérito sobre Literacia em Saúde em Portugal (ILS-PT 2014), que revelou que Portugal tem menos pessoas com um nível excelente de literacia em saúde (8,6%), quando comparado com a média de 8 países europeus (16,5%). Este estudo mostrou também que quase metade da população portuguesa (46,3%) tem níveis insuficientes de literacia em saúde.
Como vimos acima, pessoas com baixa literacia em saúde podem ter dificuldade em ler panfletos, compreender instruções ou aplicar a informação de saúde que recebem. Estas dificuldades não acontecem só ao nível da complexidade da linguagem, também estendem-se à compreensão de imagens, gráficos e esquemas usados em informação médica e de saúde.
Quem são as pessoas com literacia em saúde mais baixa?
Não é fácil detetar as pessoas que têm baixa literacia. Não é algo que esteja à vista como a cor do cabelo ou o tom da pele. No entanto, de acordo com o estudo acima citado, em Portugal existem vários grupos com literacia em saúde mais baixa, nomeadamente:
- Pessoas com 65 ou mais anos
- Com baixos níveis de escolaridade
- Com rendimentos até 500€ mensais
- Com doenças crónicas
- Com uma auto-percepção de saúde “má”
- Que frequentaram os cuidados de saúde primários 6 ou mais vezes no último ano
- Que se sentem limitados por terem alguma doença crónica
A população mais idosa é um grupo particularmente vulnerável, em que 80% das pessoas com 76 anos ou mais têm níveis de literacia em saúde problemáticos ou inadequados.
Contudo, importa ressaltar que a baixa literacia em saúde atravessa todos os grupos socioeconómicos e níveis académicos. Como já referi, quase metade da população Portuguesa tem baixos níveis de literacia em saúde e apenas 8,6 % tem literacia em saúde excelente.
Outros sinais de alerta de baixa literacia em saúde
Para além das características referidas acima, existem mais sinais que alertam para a baixa literacia em saúde, tais como:
- Faltar frequentemente às consultas;
- Não tomar a medicação corretamente;
- Erros ou dificuldade em preencher formulários;
- Não conhecer o nome da medicação que está a tomar, nem saber a sua posologia;
- Não conseguir contar a sua história médica de forma organizada e coerente;
- Fazer poucas perguntas;
- Não fazer os exames recomendados;
- Dar desculpas para não ler um documento, como “deixei os óculos em casa” ou “leio em casa com mais calma”.
A comunicação nem sempre é ajustada ao nível de literacia em saúde
Muitos estudos mostram que existe uma discrepância entre a complexidade da informação que é fornecida e a literacia em saúde da população. A título de exemplo, refiro um estudo recente que avaliou a credibilidade e a facilidade de leitura dos conteúdos de 47 websites sobre COVID19. Este estudo mostrou que a maioria dos conteúdos estavam escritos para pessoas com o 12º ano ou mais, sendo que as recomendações de informação escrita para o público em geral indicam que estes devem estar ao nível do 6º/7º ano de escolaridade. Este estudo incluiu organizações de elevada reputação, como a OMS ou o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nos Estados Unidos da América.
Infelizmente, estas discrepâncias, também encontradas na comunicação oral, não contribuem para a literacia do indivíduo e, pior, acentuam as desigualdades em saúde.
Melhorar a comunicação para melhorar a literacia em saúde
O contacto direto com os profissionais se saúde é a forma privilegiada de obtenção de informação sobre saúde. Por isso, estes devem adotar cuidados acrescidos e estratégias de comunicação e que mitigam obstáculos à comunicação, particularmente com pessoas com baixa literacia em saúde.
A comunicação sobre saúde, seja de forma oral ou através de materiais escritos, tem de estar adaptada a esta população tão vulnerável a conteúdos complexos. Tais medidas permitirão transmitir a mensagem de forma mais eficaz, melhorar a literacia em saúde do utente e melhorar os resultados de saúde individuais e coletivos. Algumas dessas medidas estão referidas abaixo e poderão também ser encontradas nesta revisão.
Avaliar o resultado da comunicação
Comunicar não é o simples ato de transmitir ou distribuir informação. Implica uma troca entre o emissor e o recetor dessa informação. Implica também saber quem é a pessoa que recebe a informação, em que contexto a recebe e qual o resultado da interação.
Um dos calcanhares de Aquiles da comunicação em saúde é o pressuposto de que transmitir a informação é informar e que informar é comunicar. Por outras palavras, para comunicar bastará transmitir a informação. Porém, transmitir informação pode não ser suficiente para informar, que por si só não é comunicar.
Cabe ao profissional ouvir quem o ouve, ajustar o conteúdo à pessoa (ao seu nível de literacia) e aferir o que ela compreendeu. A avaliação da compreensão é uma etapa fundamental dado que permite fazer ajustes no momento e desencadear um verdadeiro processo de comunicação.
O método “teach-back”, referido mais adiante, é um ótimo exemplo de verdadeira comunicação ajustada ao nível de literacia. Consiste em explicar ao utente uma determinada informação e depois pedir-lhe que ele repita o que compreendeu usando as suas próprias palavras. Isto dá a oportunidade ao profissional de saúde de clarificar algum ponto e dá ao utente a oportunidade de consolidar conhecimento. Este artigo de revisão sintetiza diferentes definições da técnica e aponta barreiras e facilitadores à sua implementação.

Estratégias de comunicação oral com pessoas com baixa literacia em saúde
As estratégias abaixo são benéficas em qualquer contexto, mas são particularmente vantajosas na desafiante comunicação com pessoas com baixa literacia em saúde. Procure integrá-las na sua prática e observar os impactos positivos que têm.
- Fazer uma escuta ativa e empática.
- Criar um espaço aberto e seguro para expor dúvidas, medos e expectativas.
- Identificar o que a pessoa já sabe e avaliar perceções atuais.
- Centrar o conteúdo no que o utente realmente precisa saber e fazer, e não no que é interessante saber.
- Repetir as mensagens vitais.
- Falar devagar e dar tempo para que o utente assimile a informação.
- Comunicar numa linguagem clara e acessível, sem terminologia técnica.
- Reforçar a informação oral com materiais impressos (exemplo: folhetos) ou escritos durante a consulta; sublinhar o mais importante.
- Disponibilizar fontes de informação simples, confiável e fidedigna que o utente pode consultar se tiver dúvidas.
- Encorajar a possibilidade de fazer perguntas (em vez de dizer “Tem alguma dúvida?” diga “Faça-me três perguntas sobre o que acabamos de falar”).
- Usar o método teach back para confirmar o entendimento e aumentar a retenção da informação (em vez de dizer “Compreendeu?” opte por “Diga-me o que entendeu”).
- Considerar as diferenças culturais e pouco domínio da língua Portuguesa (no caso de população emigrante ou migrante).
Estratégias de comunicação escrita para pessoas com baixa literacia em saúde
Há cada vez mais informação escrita sobre de saúde. Com o aparecimento da internet, os conteúdos cresceram exponencialmente e tornaram-se muito mais acessíveis. Por isso, quando escrevemos conteúdos de saúde para o público, e em especial para o público com baixa literacia em saúde, é essencial adotar boas-práticas.
Neste âmbito, a linguagem clara é cada vez mais uma técnica a conhecer e aplicar. Permite transformar conteúdos complexos em informação escrita mais fácil de compreender e usar, o que é de enorme utilidade para quem tem baixa literacia em saúde.
Já escrevi vários artigos que abordam esta temática de forma mais aprofundada, pelo que deixo-lhe abaixo uma seleção de recomendações.
- Conhecer a público-alvo da informação escrita.
- Adaptar o conteúdo às necessidades do público-alvo.
- Evitar termos técnicos.
- Preferir frases curtas.
- Organizar bem o texto, usando títulos, subtítulos e listas.
- Colocar a mensagem mais importante no início do texto (e eventualmente no final).
- Dar instruções específicas.
- Fazer bom uso de imagens e evitar gráficos de cariz científico.
- Aplicar ferramentas de avaliação do material escrito, como fórmulas de lecturabilidade ou o CDC Index.
Conclusão
Compreender e considerar a literacia em saúde do utente aquando da interação com ele é uma competência relevante do profissional de saúde. Para além disso, é importante reconhecer que transmitir informação pode não ser suficiente para consolidar o conhecimento no outro, e menos ainda para promover o comportamento salutogénico que levará a um melhor estado de saúde. Assim, as competências de comunicação, aliadas às competências clínicas, assumem um papel-chave para consolidar a literacia em saúde e promover a saúde, em especial junto dos grupos mais frágeis.
“Leaving no one behind”
United Nations – Sustainable Development Goals
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