Blog Comunicar em Saúde
Do “medicinês” para o português: estratégias práticas para simplificar o jargão
15 agosto 2025, PATRÍCIA RODRIGUES

Na comunicação entre profissionais de saúde e doentes, a partilha de informação médica e de teor científico é um elemento crucial para educar, promover a decisão partilhada e permitir que os doentes participem ativamente no cuidado.
O jargão pode tornar a informação obscura e inacessível, o que pode resultar em mal-entendidos e na alienação dos doentes. Assim, simplificar a informação médica não é apenas uma cortesia — é uma necessidade para assegurar a compreensão, a adesão e a capacitação.
Neste artigo exploro estratégias práticas que os profissionais de saúde podem usar para simplificar os termos médicos e científicos que tanto comprometem a eficácia da comunicação escrita e oral.
Índice
Para quê simplificar?
A literacia em saúde — a capacidade de obter, processar e compreender informação de saúde para tomar decisões acertadas — varia consideravelmente entre a população. De acordo com um estudo feito em Portugal e publicado em 2021, 8% da população terá baixa literacia em saúde, 22% níveis problemáticos, 65% níveis suficientes e apenas 5% níveis excelentes de literacia em saúde.
Embora possamos pensar que apenas as pessoas com menos literacia em saúde serão prejudicadas pelo uso do jargão, a verdade é que mesmo quem tem boa literacia em saúde pode sentir-se perdido quando a comunicação está carregada de termos técnicos. Por isso, partindo do pressuposto de que qualquer pessoa pode ter dificuldade a compreender a informação de saúde, as Precauções Universais de Literacia em Saúde recomendam adotar sempre uma comunicação simples, independentemente do nível de literacia em saúde da pessoa ou grupo populacional. Além disso, avaliar a literacia em saúde antes de uma consulta ou da leitura de um folheto informativo, para assim ajustar a comunicação, não é uma prática exequível.
Desta forma, simplificar — ou melhor, adequar — a informação um público não especialista permitirá que mais pessoas compreendam os conteúdos que recebem e os consigam usar para tomar decisões. Por isso, simplificar contribui para universalizar a acessibilidade da informação de saúde.
SAIBA MAIS NO ARTIGO
O que é a literacia em saúde?
Jargão: a imagem de marca da informação médica
O jargão médico é o conjunto de termos e frases técnicas que os profissionais de saúde utilizam para descrever doenças, sintomas, procedimentos, medicamentos, equipamentos e muito mais. Ele permite que os profissionais de saúde comuniquem entre si de forma sucinta e precisa, mas pode intimidar e excluir os doentes da interação.
A gíria médica é mais comum na comunicação com os doentes do que os profissionais de saúde consideram. Isto pode dever-se a vários fatores, que descrevo no artigo “Por que somos pouco claros na comunicação com o doente?“, sendo um dos quais a maldição do conhecimento, um viés cognitivo em que o especialista, devido à sua familiaridade com o tema, assume que as outras pessoas têm o mesmo nível de conhecimento. Por isso usa jargão, não se apercebendo que tais termos são desconhecidos para quem o ouve.
Para evitar este lapso e ajudar os profissionais de saúde a identificar o jargão que usam, um grupo de investigadores sistematizou-o da seguinte forma:
- Terminologia técnica: são os nomes de doenças, de sintomas, de procedimentos, de tratamentos, de testes;
- Sopa de letras: são as sigas e acrónimos (exemplo: HTA, HbA1c, DPOC, HIV, entre tantas outras);
- Vernáculo médico: são as palavras que podem ser familiares para a maioria das pessoas, mas não são universalmente conhecidas ou compreendidas com rigor (exemplo: sépsis, inflamação);
- Inglês “medicalizado” (neste caso, português “medicalizado”): são as palavras que têm um significado diferente na área da saúde (exemplo: um resultado negativo pode ser algo positivo);
- Jargão com julgamento: são comentários em linguagem médica que têm algum juízo de valor (exemplo: a frase “o doente não adere à terapêutica” pode dar a entender que a pessoa é desobediente, em vez de reconhecer as possíveis barreiras da não adesão);
- Eufemismos: são as tentativas de suavizar a informação (exemplo: dizer “partiu” em vez de “morreu”);
- Jargão burocrático: são os termos administrativos (exemplo: Unidade Local de Saúde).
A terminologia técnica é um aspeto importante na informação de saúde: não apenas porque é usada frequentemente pelos profissionais, como também porque, por definição, não é uma linguagem dominada pelo cidadão, podendo gerar mal-entendidos. Desta forma, é fundamental conhecer estratégias para “traduzir” esses termos para uma linguagem compreensível e útil para os doentes.
Estratégias para simplificar o jargão
1. Assumir baixa literacia em saúde
Como referi anteriormente, as Precauções Universais de Literacia em Saúde recomendam que os profissionais de saúde partam do princípio de que os doentes podem ter dificuldade a encontrar, compreender e usar a informação de saúde. Este pressuposto resulta no uso constante de uma linguagem simples e acessível, independentemente do contexto e das pessoas.
2. Identificar o jargão
Conforme mencionei, devido à familiaridade que os profissionais têm com a linguagem técnica, estes podem ter alguma dificuldade em reconhecer esses termos como sendo “estranhos”. Como disse Emily O´Reilly, ex-Provedora Europeia da Justiça, “O problema do jargão é que não é considerado jargão por quem o usa.”
Então, é fundamental identificar essa gíria, o “medicinês”, e decidir se o termo tem de ser realmente usado. Sendo necessário, deve ser acompanhado de uma explicação simples.
3. Definir o termo médico
Para explicar o termo técnico pode começar com uma definição. Uma definição deve incluir três elementos: o termo a definir, a classe a que este pertence e as características que o distinguem de outros elemento da mesma classe.
Por exemplo: “A osteoporose é uma doença em que os ossos ficam mais fracos”.
- “osteoporose” é o termo a definir,
- “doença” é a classe,
- “em que os ossos ficam mais fracos” são as características distintivas.
Um cuidado importante ao criar definições é evitar incluir outro jargão que possa dificultar a compreensão. De nada adianta dar uma definição se a mesma é indecifrável. Por exemplo, a definição “A osteoporose é uma doença crónica progressiva caracterizada pela diminuição da densidade mineral óssea responsável pela resistência e solidez da generalidade do esqueleto”, pode ser de pouca ajuda para muitas pessoas.
4. Apresentar um sinónimo simples
Outra estratégia que pode usar para simplificar o jargão é um sinónimo: uma palavra alternativa simples e comum que se usa para referir o conceito que estamos a explicar. Um exemplo simples é cefaleia, vulgarmente conhecido por dor de cabeça.
Tenha em atenção que a pessoa ou população a quem se dirige pode ter um sinónimo popular para o termo médico e que esse termo pode ser desconhecido noutras zonas do país. Por exemplo, alguns açorianos podem usar a palavra “biqueiro” para se referirem a alguém com pouco apetite. Assim, ao usar sinónimos, é importante considerar a cultura e região da pessoa ou público.
5. Usar imagens
Tanto na informação escrita como na comunicação oral, o uso de imagens pode ajudar muito na compreensão. Por exemplo, mostrar uma fotografia ou desenho do interior de um osso normal e de um osso com osteoporose concretiza a definição dada acima e clarifica o conteúdo.
Também aqui é necessário ter alguns cuidados, nomeadamente em usar imagens simples e ajustadas ao(s) interlocutor(s).
6. Limitar a quantidade de informação
Esta estratégia pode parecer pouco relacionada com o tema da simplificação do jargão, mas é, na verdade, uma das mais importantes. Se incluímos muitos termos técnicos, mesmo que devidamente explicados, estamos a solicitar mais recursos cognitivos por parte da pessoa, o que, a partir de um determinado limiar, poderá comprometer a compreensão de toda a informação.
Assoberbar o doente com termos técnicos não é uma boa estratégia de simplificação — pelo contrário: simplificar também significa escolher com cuidado quanto conteúdo quer transmitir.
Conclusão
Para simplificar o jargão, considere as seguintes estratégias:
- Assumir baixa literacia em saúde
- Identificar o jargão
- Definir o termo médico
- Apresentar um sinónimo simples
- Usar imagens
- Limitar a quantidade de informação
Simplificar o “medicinês” não significa infantilizar o conteúdo, mas sim torná-lo compreensível e útil para quem dele necessita. Tal é fundamental não só para a clareza, mas também para a melhoria dos resultados e capacitação do doente.
Os profissionais de saúde podem aumentar o seu impacto integrando estas abordagens na comunicação oral ou escrita com os doentes, garantindo que a informação não é apenas transmitida — é verdadeiramente compreendida.
Health providers are the most trusted source of health information for people, and therefore have a responsibility to deliver information to their patients that is clear, understandable and practical.
— Australian Commission on Safety and Quality in Health Care
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