Palavras que não curam: como evitar o efeito nocebo
(parte 2)

17 setembro 2022,  PATRÍCIA RODRIGUES

Imagem: Rawpixel.com
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Na primeira parte deste artigo analisei o efeito nocebo, suas consequências e fatores associados. Dada a relevância clínica deste fenómeno, a seguir abordarei as suas implicações e estratégias para o evitar.

 

Implicações clínicas do efeito nocebo

Uma implicação, de certa forma já referida anteriormente, é a interpretação da evolução clínica. Tanto o efeito placebo como o nocebo modificam os resultados clínicos, dificultando, eventualmente, a avaliação da eficácia da intervenção e a decisão terapêutica.

Outra implicação importante é o surgimento do seguinte dilema: uma vez que o efeito nocebo se relaciona particularmente com os aspetos mais difíceis do tratamento ou da doença que são revelados ao doente, quanta e qual informação deve ser facultada? Como conciliar o direito à informação com a ação prejudicial que a mesma pode ter?

Este problema tem sido objeto de reflexão, em particular no contexto do consentimento informado, tendo originado a possibilidade do Consentimento Informado Contextualizado. Neste caso, o profissional de saúde pergunta ao doente o nível de detalhe que quer receber. Esta abordagem ter sido alvo de críticas, pois reflete uma postura paternalista, que não permite que o doente decida de forma livre e informada. Abaixo, deixo links de outros artigos para saber mais a este respeito

A última implicação leva-nos à necessidade de mudar a comunicação verbal e não verbal com o doente, no sentido de diminuir a probabilidade de nocebo ou, quem sabe até, aumentar o efeito placebo — esse é o âmbito da próxima secção.

 

Estratégias para minimizar e evitar o efeito nocebo

As estratégias abaixo descritas foram propostas por vários especialistas, com a salvaguarda de que a evidência que temos disponível ainda não é robusta. É, contudo, o melhor conhecimento disponível. Além disso, estão centradas na comunicação clínica.

 

1. Identificar as pessoas mais suscetíveis de efeito nocebo

Alguns autores sugerem identificar as pessoas com traços de personalidade ou história clínica que levantam a suspeita de efeito nocebo. Embora existem alguns instrumentos que ajudam a fazer isso, tal pode ser inviável no contexto clínico. Ainda assim, havendo essa suspeita, é importante ter cuidados acrescidos.

 

2. Gerir expectativas

Neste caso, procura-se conhecer as experiências anteriores do doente e os seus receios, de forma a ajudá-lo a reinterpretar essas experiências e enquadrar as suas expectativas. Além disso, para evitar o efeito nocebo, é útil fornecer estratégias de gestão de eventuais de efeitos indesejáveis, ou seja, aumentar a sua autoeficácia. 

 

3. Melhorar a informação

É sabido que descrições muito científicas e detalhadas podem ter um efeito informativo ilusório. Para contornar esta abordagem, temos vários caminhos. Por um lado, avaliar o nível de conhecimento do doente e o que este deseja saber — a partir daqui, conseguiremos selecionar a informação mais relevante e evitar detalhes desnecessários. Por outro, usar linguagem simples e recorrer a imagens, folhetos e outros recursos que facilitem a compreensão e evitem interpretações erróneas.

Outra estratégia é salientar a informação mais favorável. Mais uma vez, isso consegue-se de duas formas: por um lado, abordar primeiro os benefícios e depois os efeitos adversos, gerando primeiro a expectativa positiva; por outro, na apresentação dos efeitos adversos, considere colocá-los de uma forma mais positiva. Por exemplo, em vez de descrever a percentagem de doentes que experiencia um determinado efeito indesejável, pode dar a conhecer a percentagem de doentes que não o experiencia. Outro exemplo, agora sobre a descrição de um procedimento, seria:

    • Versão 1: “Podemos colocar um cateter, que tem algum risco de infeção, alergia e dano nos vasos sanguíneos.”
    • Versão 2: “Temos a opção de colocar um cateter para diminuir o desconforto. Embora exista o risco de infeção, alergia e dano nos vasos sanguíneos, vai tomar menos comprimidos, ter mais mobilidade, recuperar mais rapidamente e talvez ir para casa mais cedo.”

Procure também dar informação concreta e factual: evite expressões evasivas e generalistas, que abrem a possibilidade a interpretações diversas. Abaixo, um exemplo:

    • Versão 1: “Este medicamento pode causar-lhe náuseas e dores musculares. É frequente isso acontecer.”
    • Versão 2: “Um número pequeno de pessoas sente náuseas e dores musculares com este medicamento — cerca de 1 em 10 pessoas.”

A quinta e última estratégia desta secção é fornecer fontes de informação confiáveis para os doentes saberem mais. Neste caso, não só garantimos o rigor científico da informação, como também evitamos fontes que (potencialmente) aumentam a ansiedade e induzem o efeito nocebo, fazendo o oposto do que pretendemos  informar sem prejudicar.

Neste blog tenho abordado a temática da adequação da informação de saúde, em particular da sua simplificação. Caso esteja interessado(a) em saber mais, pode explorar estes artigos.

4. Melhorar a comunicação

A informação é um aspeto que não pode ser separado da comunicação (aqui faço-o por questões de organização). Repare que, ainda que tenha fornecido informação de forma clara, simples, ajustada e bem enquadrada, isso não lhe garante que tudo ficou bem compreendido. Para assegurar a eficácia da comunicação, pode pedir ao doente para sumarizar a informação que recebeu e dar a possibilidade deste colocar-lhe perguntas

Do ponto de vista da comunicação não verbal, ser empático(a), estabelecer contacto ocular, sorrir, ter uma postura acolhedora e transmitir tranquilidade pode minimizar o efeito nocebo, além de melhorar a relação com o doente.

 

Conclusão

Em resumo, a forma como apresentamos a informação parece modificar o seu resultado: o efeito placebo potencia os resultados positivos e o efeito nocebo os negativos.

No contexto clínico, o efeito nocebo pode diminuir a eficácia de um tratamento, desencadear efeitos prejudiciais e indesejáveis e alterar o curso da doença — daqui derivam implicações que se desdobram em diversas estratégias de comunicação. Assim, para minimizar o efeito nocebo, o profissional de saúde pode adotar uma postura mais empática e positiva, procurar conhecer o doente e ajustar a informação.

É um grande desafio explicar um tratamento, um diagnóstico ou um prognóstico sem despoletar medos e ansiedade por ventura prejudiciais. Para melhor desempenharmos esta tarefa de informar, encorajar e cuidar será importante, de futuro, desenvolver boa evidência científica sobre o efeito nocebo e adotar uma abordagem sistemática para o minorar.

Mere information about potential harm is likely to be harmful in itself.

Meynen, Swaab e Widdershoven (2012)

Patrícia Rodrigues, Medical Writing & Health Communication
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