Blog Comunicar em Saúde
Não fale para a parede!
7 erros a evitar na comunicação em saúde.
25 fevereiro 2022, PATRÍCIA RODRIGUES

A comunicação em saúde tem muitos rostos: acontece entre o profissional e o doente, entre instituições públicas ou privadas e o público, ou entre especialistas. Seja qual for o contexto específico, a comunicação em saúde deve privilegiar um modelo de comunicação em que ambos os lados dão e recebem feedback e participam na construção da mensagem.
Alguns fatores, quando não considerados ou acautelados, diminuem a eficácia da comunicação. Estes podem estar lado do público-alvo, como questões culturais ou sistema de crenças e valores, do lado da instituição responsável pela campanha ou até do meio onde essa comunicação acontece.
Neste artigo olho para sete erros na comunicação em saúde e partilho algumas táticas para os ultrapassar. O contexto particular desta reflexão são as campanhas de Saúde Pública.
Erro 1: Não conhecer o público-alvo
Não conhecer o nosso público é como fazer tiro ao alvo de olhos vendados!
Na raiz deste erro está a assunção de que sabemos o que o público precisa saber ou fazer, e até que vai fazê-lo apenas por receber essa orientação. Todavia, comunicar em saúde é muito mais do que isso.
O primeiro passo para contornar este erro é definir claramente quem é a nossa audiência, ou seja, quem queremos alcançar. O passo seguinte é conhecer essa audiência. Dependendo de cada situação, algumas características a analisar são:
- Características demográficas
Exemplos: idade, sexo, ocupação, zona de residência, nível de escolaridade - Características culturais
Exemplos: religião, etnia, estilos de vida - Características comportamentais
Exemplos: comportamentos de risco, escolhas em saúde - Características psicológicas
Exemplos: o que sabe sobre o assunto, o que sente em relação à situação, que obstáculos encontra, que motivações tem
Em função da caracterização do público-alvo, podemos, inclusivamente, segmentar essa população e escolher estratégias de comunicação diferenciadas para cada uma.
O caso do rastreio do cancro do colón e reto
O rastreio do cancro do colón e reto (CCR ) deve ser realizado a cada dois anos por pessoas com idades entre 50 e 74 anos. A primeira fase o rastreio é por pesquisa de sangue oculto nas fezes, em que o utente faz a colheita das mesmas em casa. Na segunda fase, caso o resultado do teste anterior seja positivo, é necessário fazer uma colonoscopia.
Em 2019, em Portugal, a adesão foi apenas 32%, enquanto as orientações europeias apontam para uma taxa de adesão desejável acima de 65%. As razões para esta baixa adesão estão descritas em diversos estudos; segundo a revisão de Antonio García, alguns são:
- Baixa perceção do risco de cancro
- Embaraço/vergonha em relação ao rastreio
- Receio de sentir dor ou desconforto no rastreio
- Medo de descobrir a doença
Assim, numa campanha cujo objetivo seja aumentar a adesão a este rastreio, a comunicação deve dar resposta aos obstáculos e clarificar as perceções erradas que as pessoas de facto têm e que afetam a sua participação. Sem esses esclarecimentos, as pessoas continuarão pouco interessadas no rastreio.
Como mostra o exemplo acima, as características, atitudes e motivações do público-alvo devem ser consideradas nas campanhas de Saúde Pública. Além disso, como poderá confirmar adiante, esta etapa é importante para evitar outros erros na comunicação em saúde.
Erro 2: Não ter objetivos bem definidos
Quando não sabemos para onde vamos, não chegamos a lado nenhum.
Os objetivos de comunicação apoiam o objetivo global da campanha e servem de métrica que nos indicará se a comunicação foi bem sucedida. A partir destes objetivos é possível definir as prioridades, estratégias e atividades de comunicação, ou seja, o plano de ação. Se o objetivo é o destino, o plano de ação é o mapa — sem um destino, o mapa perde o seu significado.
Os objetivos de comunicação podem ser mais abrangentes, como um objetivo geral, mas, idealmente, deverão ser específicos e mensuráveis. Em qualquer dos casos, devem também ser realistas e alcançáveis.
Regressando ao caso do rastreio do CCR
Hipoteticamente, podemos definir como objetivo geral de um programa na comunidade “aumentar a adesão ao rastreio do CCR na população portuguesa”.
Podemos ainda especificar esse objetivo da seguinte forma: “aumentar a adesão ao rastreio para 50% no primeiro ano, 60% no segundo e acima de 70% do terceiro em diante”.
Após estabelecida esta visão, definimos os objetivos de comunicação. Tendo em conta as razões de não adesão ao rastreio que referi antes, também a título de exemplo, objetivos de comunicação poderão ser:
- Conseguir que mais de 80% da população-alvo identifique algum fator de risco de CCR.
- Obter uma classificação de fácil ou muito fácil de realizar o rastreio em mais de 70% dos participantes.
Erro 3: Não escolher os canais certos
A melhor informação do mundo, que não chega a quem precisa dela.
Imagine que pretende alcançar uma população jovem e opta por comprar espaço publicitário em jornais. Ou que quer chegar a audiências mais velhas e coloca a informação apenas na internet. Ou ainda, que quer alcançar muitas pessoas, rapidamente, e escolhe a comunicação interpessoal como canal principal. Com estes exemplos, um pouco extremados, pretendo chamar a atenção para alguns fatores importantes na escolha do canal, nomeadamente:
- O canal é apropriado para alcançar a audiência?
- É ajustado ao tipo de mensagens a transmitir?
- Permite alcançar os objetivos da comunicação?
Por outro lado, o canal também deve permitir a exposição repetida à informação. Quando o público recebe a informação apenas uma vez, é mais difícil retê-la e agir sobre ela. Por isso, é frequente a escolha de campanha multimeio, ou seja, que utilizam de mais do que um canal de comunicação.
Todos os canais de comunicação têm vantagens e desvantagens que devem ser consideradas no momento da escolha — certamente que o orçamente disponível também irá condicionar esta decisão.
Erro 4: Não ajustar os conteúdos
Na era na informação, que venha a simplificação.
Para conseguirmos adaptar os conteúdos é necessário… conhecer a audiência que os vai receber!
A este respeito, importa que a informação responda às necessidades e interesses do público — não apenas ao que os especialistas consideram que o público deve saber/fazer —, que a quantidade de informação seja adequada e que a sua formulação seja simples e compreensível.
De facto, os especialistas falam um dialeto diferente do público — o que acontece noutras áreas de saber, não sendo exclusivo da saúde. Enquanto o público usa palavras comuns e menos formalidade, os especialistas usam o jargão e formulações mais complexas. Então, se falam línguas diferentes, como se podem entender? Aqui a linguagem clara é uma ferramenta muito útil de descodificação da informação, tornando-a acessível e compreensível a qualquer pessoa.
»» Ler artigo ” Linguagem clara: 9 perguntas e respostas que precisa saber”
Importa também lembrar que o público não é muito proficiente a compreender informação numérica, como percentagens ou probabilidades. Por isso, é necessário processar e apresentar esses dados para serem assimilados por um público pouco dado a números.
Podemos ainda criar várias versões do material para que a adaptação aos vários segmentos do público-alvo seja mais fina, As imagens abaixo mostram um exemplo de dois materiais com a mesma mensagem central, dirigidos a diferentes grupos etários da população.


Erro 5: Não testar as mensagens e materiais
Testar é meio caminho para o sucesso!
Não testar o material/mensagem é um erro comum na comunicação em saúde. Se está a pensar que o teste é uma perda de tempo, reflita sobre o seguinte: de que serve o material mais elegante, criativo e tecnicamente irrepreensível se a audiência não o vai achar útil ou não vai entender o que lá está?
Para sabermos se a comunicação vai funcionar, demos testá-la antes da sua distribuição. Os testes podem ser feitos com ferramentas próprias para os conteúdos e mensagens de saúde e também por consulta do público-alvo.
No seguinte artigo encontra exemplos dessas ferramentas:“Are English-language online patient education materials related to breast cancer risk assessment understandable, readable, and actionable?” Neste caso, foram usadas para avaliar materiais que já estavam em circulação; mas também podiam (e deviam) ter sido usadas para o teste pré-divulgação. Esta boa prática teria evitado a implementação de materiais difíceis de ler, de entender, de usar e pouco ajustados ao público-alvo — tais foram as conclusões deste trabalho (e de muitos outros).
Caso não exista folga financeira para testar junto da população-alvo, o que é mais dispendioso e demorado, opte por alternativas mais económicas, mas não deixe de o fazer.
Erro 6: Fornecer informação conflituante
O público não gosta de orquestras desafinadas.
A multiplicidade de fontes de informação é uma realidade nos tempos atuais. Internet, redes sociais, profissionais de saúde, televisões, revistas… Nesta viagem labiríntica, o nosso público pode encontrar informação diferente ou contrária daquela que queremos transmitir. Tal acontece devido a:
- Desinformação e construção de narrativas falsas sobre o assunto
- Informação errada em algumas fontes, mesmo sem o intuito de desinformar
- Diferentes opiniões entre especialistas
- Má interpretação da incerteza científica
Sobre esta última: o método científico é pautado por dúvidas e constante reavaliação (e reformulação) do conhecimento — mas o público não está familiarizado nem confortável com isso. Assim, perante esta complexa dinâmica da ciência, surge a tendência de traçar verdades absolutas e de não comunicar claramente a incerteza. Ao cometermos este erro, abrimos espaço para fornecer informação errada, contraditória ou que pode ser mal interpretada pela nossa audiência.
»» Ler artigo “Manual para lidar com a desinformação em saúde e encontrar informação confiável”
Quero ainda de mencionar outro motivo para a existência de informação conflituante: a politização da ciência. Quando a ciência passa a ser argumento político deixa de estar debaixo dos parâmetros científicos e passa a ser governada por posicionamentos políticos e opiniões de pessoas que não são especialistas na matéria — assistimos a este fenómeno durante a pandemia. A situação torna-se mais complexa porque a política tem um megafone e técnicas de comunicação que a ciência não domina.
Erro 7: Falta de confiança no comunicador
Construir a confiança é como cuidar de um jardim: há que regar as flores e tirar as ervas daninhas.
O tema da confiança é mais intrincado do que pode parecer. É transversal a várias áreas, como a economia ou a política, e é basilar na comunicação de riscos.
Na saúde, pode ser analisada na perspetiva da confiança nas instituições e da confiança na pessoa, seja o porta-voz da instituição ou o profissional de saúde que assiste a um doente. Tanto numa perspetiva como na outra, a confiança é uma peça chave para a eficácia da comunicação.
A Organização Mundial de Saúde coloca a credibilidade e a confiança no seu modelo de construção de comunicações eficazes, nomeando os seguintes fatores como determinantes para aumentar a confiança do público:
- Rigor técnico
- Transparência
- Comunicar a incerteza
- Fornecer a informação de forma atempada
- Ser consistente na comunicação
- Assumir os erros
- Construir parcerias
As seguintes boas práticas foram identificadas numa revisão do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) sobre a gestão da reputação e confiança nas organizações de Saúde Pública envolvidas nas doenças não transmissíveis:
- Planear as crises a longo prazo.
- Assegurar e monitorizar a consistência das mensagens.
- Ter porta-vozes credíveis, competentes e disponíveis para interagir frequentemente com os media e stakeholders.
- Demonstrar visivelmente a competência técnica, integridade e transparência das organizações responsáveis pelo controlo das doenças não transmissíveis.
Como referi, a confiança é essencial para a eficácia da comunicação de riscos. No podcast da Society for Risk Analysis, no episódio intitulado “COVID-19 is a Risk Communication Failure. How Do We Avoid This in the Future?”, o Professor José Palma-Oliveira, entre outros aspetos muito pertinentes, aborda a importância da confiança no comunicador no cenário particular da pandemia. Vale a pena ouvir.
Outros erros na comunicação em saúde
Aqui optei por não abordar outro erro comum: a não aplicação de teorias e modelos sociais e comportamentais. É um tema que merece o seu próprio artigo, que me proponho escrever no futuro. Entretanto, pode ver algumas teorias em ação no artigo: “Apelo ao medo como estratégia de comunicação em saúde: erro ou acerto?“
Para concluir, nos últimos dois anos, à boleia da pandemia, tornou-se evidente a importância da comunicação para o sucesso das campanhas de Saúde Pública. No sentido de aumentarmos a sua eficiência e impacto, devemos evitar estes erros e adotar as melhores práticas que a evidência científica e empírica nos oferecem, em particular no domínio da comunicação em saúde.
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