Como escrever um artigo científico:
10 princípios para escrever mais e melhor
22 agosto 2020, PATRÍCIA RODRIGUES
A ciência é uma área altamente competitiva e tem um ritmo de desenvolvimento cada vez mais acelerado. Um exemplo disso é o número de artigos publicados sobre COVID19 desde o início deste ano: de acordo com o PubMed, foram publicados 42 693 artigos. No meio tanta concorrência, como é que os cientistas conseguem destacar o seu trabalho? Existem dois ingredientes fundamentais: boa ciência e boa escrita — objetivo deste artigo é ajudá-lo a aprimorar o segundo.
Porquê escrever bem?
Já todos lemos artigos aborrecidos, pesados e intrincados. Também já lemos outros agradáveis, fluidos e de fácil compreensão. Os primeiros tendem a ser rejeitados pelas revistas ou ignorados pela comunidade científica; os segundos são publicados, lidos e referenciados com mais frequência. Além disso, por serem melhor compreendidos, são usados noutras disciplinas, por especialistas de outras áreas, promovendo assim o processo de transferência de conhecimento, tão importante para o desenvolvimento científico.
Um artigo bem escrito gira em torno de uma ideia central, utiliza uma linguagem clara e concisa e é escrito para um público-alvo. Desta forma, consegue passar a mensagem de forma eficaz, sem exigir do leitor um esforço excessivo. Mas, para quem escreve pouco e de forma pontual, escrever é um processo lento, de muita transpiração e pouca inspiração (acredite, para quem escreve muito não é assim tão diferente…). A boa notícia é que esta fase pode ser mais fácil se utilizar um método, tal como os 10 princípios que se seguem.
Princípio 1. Ter uma ideia original para o artigo
Como disse antes, boa ciência é um dos pilares de um bom artigo. Boa ciência significa originalidade, novidade, algo que ainda não foi feito ou relatado e que faz um contributo real para o mundo científico.
A inovação em ciência advém de explorar o desconhecido. No entanto, como mostrou David H. Freedman, autor do livro “Wrong: Why experts keep failing us”, as pessoas tendem a pesquisar dentro da sua zona de saber, a zona de conforto. Ele chamou a esta metáfora “The street light effect”, que está representada na imagem abaixo.

O indivíduo da imagem perdeu as chaves e está à procura delas na zona iluminada do passeio. Quando uma pessoa que passou lhe perguntou se tinha sido ali que tinha perdido as chaves, ele respondeu: “Não, mas é aqui que tenho luz para procurar”. Essa zona iluminada representa o que já sabemos e a zona sem luz é a potencial fonte de inovação.
Princípio 2. Ter um objetivo claro para o artigo
Muitos artigos não têm objetivos bem definidos ou querem comunicar muitas ideias de uma só vez. O resultado são publicações, confusas, desfocadas e que falham em passar a mensagem. Ao invés, quando sabe exatamente aquilo que quer dizer, vai escrever de forma mais clara e objetiva.
Defina bem o objetivo central do seu artigo e mantenha-se fiel a esse objetivo à medida que escreve. Para o definir faça o seguinte exercício: se tivesse 20 segundos para descrever a ideia central do artigo que vai redigir, o que diria? Consegue descrevê-la em 10 segundos? Esta visão sintética do artigo é a sua ideia central e vai ajudá-lo(a) a priorizar as informações fundamentais e a escrever um artigo mais focado.
Princípio 3. Preparar e escrever o primeiro rascunho (não salte etapas!)
Agrupar a informação das referências bibliográficas
Vamos supor que já fez a pesquisa bibliográfica que vai servir de apoio ao seu artigo. Antes de começar a escrever é necessário ler essas referências e sistematizar a informação que encontra. Para tal é útil criar uma tabela com o essencial de cada artigo e, eventualmente, as citações que vai querer incluir no seu texto. A tabela pode ter os seguintes campos:
Autor | Título | Data | Revista | Métodos | Resultados | Conclusões | Citações
Com esta ferramenta, quando estiver a escrever, já não vai precisar de revisitar cada artigo, só terá de consultar esta tabela.
Definir o guião
Esta fase é muito importante e é frequentemente desvalorizada. Depois da fase de leitura, defina a estrutura base do seu artigo por secção, parágrafos e frases. Por exemplo:
Introdução
- Parágrafo A — O conhecimento atual
- Argumento a1
- Argumento a2
- Parágrafo B — O que ainda não conhecemos
- Argumento b1
- Argumento b2
- Parágrafo C — A proposta deste estudo
- Argumento c1
- Argumento c2
- Parágrafo D — A abordagem deste estudo
- Argumento d1
- Argumento d2
Uma vez que os artigos são tipicamente divididos em Introdução, Métodos, Resultados e Discussão, faça este guião para as diferentes secções. Desta forma fica com um mapa do seu manuscrito, uma espécie de roteiro do que vai ser abordado em cada parte, dos argumentos que vai explorar e de como estes estarão organizados. Pode ajustar e melhorar este guião, mas tenha sempre em mente o objetivo que definiu para o artigo — não perca o foco.
Transformar o guião em frases
A escrita propriamente dita começa aqui, com a redação do primeiro rascunho. Comece por colocar as citações que selecionou nas partes do artigo onde pretende utilizá-las. De seguida, transforme cada argumento numa ou várias frases e organize-as dentro de cada parágrafo. Também importante, à medida que escreve, mantenha as referências organizadas com recurso a programas de referenciação.
Nesta fase não se preocupe em ser perfeito, deixe as palavras saírem, sem se preocupar em melhorar as frases — essa fase, a edição, virá depois.
Começar, mas não pelo princípio
A ordem recomendada para escrever um artigo é a seguinte:
- Tabelas e gráficos
- Resultados
- Métodos
- Discussão
- Introdução
- Abstract
Lembre-se que o seu artigo pretende veicular uma ideia central e essa ideia está apoiada nos seus resultados, alguns expostos em tabelas e gráficos. A partir daí constrói a sua argumentação — a discussão — e decide o contexto que faz sentido para essa argumentação — a introdução. O abstrat, uma vez que conta toda a história do artigo, deve ser escrito no final.

Princípio 4. Investir tempo no título, abstract e figuras
O título, abstract, tabelas e gráficos são, muitas vezes, as únicas partes do artigo que o leitor analisa. Por isso, é importante dar a devida atenção a estas secções. O título é a primeira parte a ser lida e define o tom do artigo. Deve conter a mensagem principal que quer transmitir ou o tema geral do artigo. Deve ser simples, objetivo e cativante. Por sua vez, a missão do abstract é convencer o leitor a ler o artigo. Deve contar a história do estudo de tal forma que o leitor fica a querer saber mais. Embora o número de palavras e estrutura obedeça às regras da revista, o que limita um pouco a liberdade de escrita, utilize os próximos princípios para escrever um abstract interessante e convincente. Já as tabelas, gráficos e imagens devem ter a estrutura mais adequada para a informação que pretendem comunicar, respeitando, igualmente, as regras da revista.
Princípio 5. Utilizar uma linguagem clara e direta
O texto científico pode ser fácil de entender e interessante. Para isso, aplique as seguintes regras da comunicação clara:
- Utilize a voz ativa
- Evite o jargão desnecessário
- Use frases formuladas na positiva, e não na negativa
- Elimine detalhes desnecessários
- Analise uma ideia em cada parágrafo

Princípio 6. Usar diferentes narrativas
Triângulo invertido
A técnica do triângulo invertido, ou da pirâmide invertida, é uma técnica de redação jornalística que organiza a informação por interesse decrescente, ou seja, coloca no início do texto os dados mais importantes e no final os detalhes menos relevantes.

Por exemplo, ao organizar um parágrafo, coloque a ideia mais importante na primeira frase e use as frases seguintes para desenvolver a declaração inicial. Se aplicar esta regra a uma secção, tal como a introdução, pode ordenar da seguinte forma:

Estrutura dissertativa
Por vezes é mais interessante construir uma história e levar o leitor até uma determinada conclusão. Neste caso deve utilizar a estrutura dissertativa que segue a ordem: introdução – desenvolvimento – conclusão. No fundo, é o triângulo na sua posição normal.

Esta sequência lógica é útil para a discussão, onde sumariza os seus resultados, responde às questões inicialmente colocadas, expõe a contribuição dos seus resultados e explica as limitações do estudo.

Procure contar uma história interessante ao longo do artigo e termine-o com impacto através de uma frase final memorável e positiva.
Princípio 7. Editar o texto: cortar, organizar, melhorar
Agora que já escreveu, chegou a altura de cortar o que escreveu! Não estou a brincar, é mesmo para fazer isso. Tenha espírito crítico quando revê o seu trabalho, imaginando que é um revisor implacável. Inclua no manuscrito apenas as ideias necessárias para a defesa da hipótese em estudo e das suas conclusões. O resto elimine, mantenha o foco e a objetividade.
Nesta fase de edição, faça uma revisão cuidada da gramática e possíveis gralhas. Os erros gramaticais e ortográficos passam uma imagem falta de rigor para os revisores do artigo, o que pode prejudicar a sua avaliação. Confirme que as ideias estão bem organizadas e que os raciocínios são apresentados de uma forma lógica. Elimine frases ou parágrafos que não acrescentam ao que já está exposto. Leia o texto em voz alta, pois vai ajudá-lo a perceber se o texto está bem organizado e bem escrito.
A escrita é difícil para todos e muito dificilmente se acerta à primeira. O normal é editar o primeiro rascunho várias vezes.
Princípio 8. Pedir feedback a colegas
Chegou a altura de pedir a colegas para lerem o seu trabalho e darem um feedback rigoroso. Há uma sequência lógica nas ideias? A descrição dos métodos permite a reprodução do estudo? Os resultados estão apresentados de forma compreensível? As conclusões estão bem fundamentadas? Estas são algumas perguntas que os editores são colocar quando avaliarem o seu artigo. Antecipe-se e pense como a pessoa que vai rever o seu trabalho.
Peça também a opinião de pessoas que não dominam nem conhecem a sua área de estudo. Se essas pessoas conseguirem compreender os resultados do estudo, o seu significado e mensagem central do artigo, é sinal de que utilizou uma linguagem clara e acessível, mesmo para quem não é especialista. Essas pessoas vão também ajudar a identificar palavras excessivamente técnicas, que podem ser evitadas, frases pouco claras e parágrafos difíceis de ler.
O feedback deve ser visto como uma oportunidade de melhoria. Uma opinião muito específica que aponta detalhes é sinal de que a pessoa analisou o artigo a fundo. Por outro lado, se for generalista e não identificar pontos de melhoria, significa que não houve tempo ou interesse na avaliação.
Princípio 9. Ler textos bem escritos
Como vimos, escrever é mais transpiração do que inspiração, é uma competência que pode ser melhorada. Para isso, deve ler boa literatura e ler artigos artigos científicos bem escritos.
Onde encontrar bons artigos? Não é uma pergunta fácil de responder mais deixo aqui a referência do website Natureindex.com, que fornece uma classificação baseada nos 12 meses anteriores do interesse gerado por artigos publicados em 82 revistas do grupo Nature Research. Um artigo que gera muito interesse pode indicar que está bem escrito.
Leia também bons livros para ampliar o seu léxico e o seu conhecimento gramatical.

Princípio 10. Substituir a inspiração por objetivos
O último princípio para escrever mais e melhor é a definição de objetivos de escrita. Pode estabelecer um objetivo diário, como por exemplo, de escrever 1 hora por dia, ou 300 palavras por dia; pode também definir objetivos semanais. O que não deve fazer é ficar à espera de inspiração. Aliás, a inspiração vem depois de alguma transpiração!
Para concluir, reforço que a capacidade de escrever bem não é um talento nato: é uma capacidade que pode aprender e desenvolver. No website da European Medical Writer Association pode encontrar muitos recursos valiosos para evoluir nesse sentido. Faça da comunicação clara um dos objetivos da sua comunicação científica, os princípios acima descritos vão ajudá-lo a conseguir isso. Boa escrita!
“The secret of good writing is to strip every sentence to its cleanest components. Every word that serves no function, every long word that could be a short word, every adverb that carries the same meaning that’s already in the verb, every passive construction that leaves the reader unsure of who is doing what—these are the thousand and one adulterants that weaken the strength of a sentence. And they usually occur in proportion to the education and rank.”
William Zinsser – On Writing Well, 1976
Imagem capa: Pexels
Quer saber mais sobre comunicação em saúde?