Blog Comunicar em Saúde
Máximas conversacionais: como melhorar a comunicação com o doente
28 outubro 2025, PATRÍCIA RODRIGUES
A filosofia da linguagem é o ramo da filosofia que estuda a natureza da linguagem, incluindo o significado, o uso e a compreensão, assim como a relação entre a linguagem, o pensamento e a realidade. De entre muitos filósofos que contribuíram para esta área de estudo, neste artigo destaco o trabalho de Paul Grice, em particular o Princípio da Colaboração e as Máximas Conversacionais. Estas são ideias influentes que se aplicam às nossas interações diárias e também, como exploro neste artigo, à comunicação entre profissionais de saúde e doentes.
Índice
Princípio da Cooperação de Paul Grice
O filósofo inglês Paul Grice (1913–1988) formulou o Princípio da Cooperação, segundo o qual os participantes de uma conversa colaboram entre si para que a comunicação seja eficaz. Para isso, cada pessoa deve contribuir de forma adequada à direção e ao objetivo da interação.
Nas palavras de Grice: “Faça com que o seu contributo conversacional seja tal como o que é requerido, no momento em que ocorre, pelo objetivo ou pela orientação aceite da conversa em que está envolvido.”
Este princípio parte da ideia de que uma conversa é uma atividade cooperativa: cada interlocutor procura expressar-se de forma compreensível, enquanto o outro tenta interpretar corretamente o que é dito. Assim, a comunicação não é apenas a transmissão de informação, mas a construção conjunta de significado — um processo em que ambos os participantes têm um papel ativo.
O que são as Máximas Conversacionais?
Para Grice, uma interação que obedece ao Princípio da Colaboração segue regras implícitas, as quais chamou Máximas Conversacionais. Estas máximas são, no fundo, princípios que propiciam uma interação verbal bem-sucedida. Grice propôs quatro Máximas Conversacionais:
- Máxima da Quantidade
- Máxima da Qualidade
- Máxima da Relação (ou de Relevância)
- Máxima do Modo
1. Máxima da Quantidade
- Forneça a informação suficiente, nem mais, nem menos do que o necessário para o objetivo comunicativo.
- Não torne a sua contribuição mais informativa do que o necessário.
Esta máxima exige que a informação fornecida por cada interveniente seja na dose adequada. Exemplo:
a. Quantos livros compraste?
b. Comprei três livros.
Pelo contrário, um discurso redundante ou repetitivo gera sobrecarga de informação e ruído na mensagem. Exemplo:
a. Quantos livros compraste?
b. Um dos livros é um romance histórico; tem capa dura e 794 páginas. O outro é de bolso, é um thriller de uma escritora com muitos best-sellers, gosto muito dela. O outro é um livro de viagens, fala principalmente de viagens feitas de comboio. Tem fotografias de ficar de queixo caído!
2. Máxima da Qualidade
- Diga a verdade e não afirme o que crê ser falso.
- Não afirme aquilo para o qual não tem evidência suficiente.
Neste caso, o foco está no rigor e na verdade. Sem este cuidado, a informação pode induzir em erro, e a conversa deixa de ser genuína e fundamentada. No exemplo anterior:
a. Quantos livros compraste?
b. Comprei dois livros.
3. Máxima da Relação (ou de Relevância)
- Seja relevante, diga apenas o que for relevante para a interação.
Esta máxima exige que a contribuição de cada orador esteja relacionada com o tema e objetivo da conversa. Quando são abordados assuntos irrelevantes para o caso, a comunicação fica confusa e dispersa. Exemplo:
a. Quantos livros compraste?
b. Ah, isso foi cá uma história! Saí de casa às 10 horas. Pelo caminho encontrei o Manuel, que me convidou a ir tomar um café com ele. Entretanto, começou a chover e eu sem guarda-chuva. Mas eu tinha mesmo de ir à livraria! O Manuel foi um querido, levou-me lá. E já sabes como eu sou na livraria… ia só mesmo ver as novidades, mas distraí-me completamente e saí de lá à hora do almoço e cheia de pressa para ir para o trabalho.
4. Máxima do Modo
- Evite a obscuridade no discurso (discurso difícil de entender).
- Evite a ambiguidade (informação que pode ser interpretada de várias formas).
- Seja breve (ou seja, evite ser prolixo).
- Seja ordenado (ou seja, tenha um discurso lógico e organizado).
Neste caso, pretende-se que cada contributo seja claro, breve e organizado. Quando um interveniente é ambíguo, prolixo, desorganizado e pouco claro, a informação pode ser difícil de entender. Exemplo:
a. Quantos livros compraste?
b. Bem… digamos que comprei o suficiente para não precisar de comprar livros durante algum tempo.
Sinergias entre o Princípio da Cooperação de Grice e o Cuidado Centrado na Pessoa
Segundo o Princípio da Cooperação, os interlocutores colaboram entre si para que a comunicação funcione. Este princípio pode ser resumido na ideia de que cada participante deve contribuir de forma adequada ao objetivo e à direção do diálogo. Desta forma, comunicar não é apenas expor as ideias individuais, é cooperar para construir um significado em conjunto.
De modo análogo, o cuidado centrado na pessoa propõe a construção de uma parceria entre o profissional e o doente/família baseada no respeito pelas preferências, valores e objetivos da pessoa, integrando-os nas decisões sobre o seu cuidado. Assim, as duas abordagens têm a cooperação como ponto em comum: se para Grice a colaboração ocorre no plano da linguagem e dos significados, no cuidado centrado na pessoa, ela concretiza-se na construção de uma parceria terapêutica.
Para além dos paralelismos, há também sinergias entre ambas as perspetivas, pois as máximas de Grice podem potenciar e reforçar a comunicação centrada na pessoa. Ao aplicá-las, o profissional de saúde promove uma comunicação honesta e transparente, fortalecendo a confiança e a tomada de decisões partilhadas. Além disso, com as máximas de Grice, o profissional de saúde reduz o ruído comunicativo e facilita a compreensão da informação. Adicionalmente, o cumprimento das máximas ajuda a ajustar o fluxo de informação, respeitando o ritmo e as necessidades do doente. Finalmente, ao agir segundo o Princípio da Cooperação, o profissional reconhece o doente como participante ativo na interação: o primeiro contribui com o conhecimento científico e o segundo com a experiência de vida, valores e preferências — ambos cooperando para obter o melhor resultado dos cuidados de saúde.
Como aplicar as máximas conversacionais na comunicação com o doente
Embora as máximas pretendam descrever a forma como duas pessoas interagem, elas podem ser usadas para orientar a nossa comunicação nas mais diversas situações — nomeadamente na comunicação com doentes, familiares ou cuidadores.
Máxima da Quantidade: encontrar a medida certa de informação
Nos cuidados de saúde, a máxima da quantidade exige que os profissionais forneçam informação suficiente para que o doente compreenda o seu diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento, sem o sobrecarregar com detalhes excessivos nem omitir dados importantes. Cumprir esta máxima é fornecer informação suficiente para permitir escolhas informadas, sem impor ou esconder detalhes importantes.
Máxima da Qualidade: construir a confiança através da veracidade
Esta máxima reflete as obrigações éticas e deontológicas dos profissionais, pois exige que o profissional diga apenas o que é verdadeiro e sustentado por evidência. Além disso, aplicar a Máxima da Qualidade é também reconhecer que nem sempre se tem as respostas definitivas. Neste contexto, comunicar a incerteza e os limites do conhecimento é também dizer a verdade.
Máxima da Relevância: manter o foco no essencial
Seguir a máxima da relação significa selecionar a informação que realmente importa para o doente naquele momento, evitando tópicos laterais que possam prejudicar a interação. A relevância garante que as discussões se mantêm eficientes e centradas nas necessidades da pessoa, ajudando a priorizar o que é mais importante.
Ser relevante também é ter em conta o momento emocional do doente. Assim, nem toda a informação factual é oportuna — por vezes, o mais relevante é oferecer segurança e conforto.
Máxima do Modo: alcançar a clareza para garantir a compreensão
Esta máxima exige que os profissionais de saúde comuniquem sem jargões, evitem linguagem ambígua e apresentem a informação de forma concisa e lógica. Com mais clareza no discurso, os profissionais ajudam os doentes a compreender a informação, a desenvolver a literacia em saúde e a decidir de forma informada.
Para usar as máximas conversacionais no seu dia a dia, pergunte-se:
- Tenho a certeza de que tudo o que estou a dizer é verdade e pode ser apoiado por evidência?
- Estou a incluir todas as informações necessárias?
- Estou a excluir pormenores desnecessários e informação irrelevante?
- Estou a utilizar uma linguagem clara e sem qualquer ambiguidade?
- Estou a apresentar a informação de forma concisa e bem estruturada?
Conclusão
Para Grice, toda a interação é uma coconstrução baseada nas máximas da qualidade, quantidade, relação e modo. No contexto de saúde, a adesão a estes princípios facilita a troca de informação precisa, relevante e compreensível, promovendo a confiança e o envolvimento do doente. Desta forma, a comunicação entre profissionais de saúde e doentes torna-se mais eficaz, humanizada e centrada na pessoa.
Além disso, esta perspetiva mostra que a filosofia da linguagem pode oferecer mais do que conceitos teóricos: ela pode enriquecer a prática clínica, ajudando os profissionais a compreender melhor o impacto das palavras, das intenções e da cooperação na relação terapêutica. Ao integrar estas ideias, comunicar com o doente deixa de ser apenas transmitir informação — passa a ser um ato partilhado de compreensão e cuidado.
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